Assassinato na Mansão

- -
- 100%
- +
Lacey desceu o lance de degraus altos até que eles pararam, a poucos metros da praia. Então, ela deu um salto para a praia. A areia era tão macia que seus joelhos absorveram o choque, apesar da completa falta de amortecimento fornecida por seus sapatos mocassins baratos do aeroporto.
Lacey respirou fundo, sentindo-se totalmente selvagem e despreocupada. Aquela parte da praia era deserta. Sem mácula. Deve ser muito longe das lojas da cidade para as pessoas se aventurarem, ela pensou. Era quase como seu próprio pedaço de praia particular.
Olhando na direção da cidade, Lacey viu o píer projetando-se pelo oceano. Ela foi imediatamente tomada pela lembrança de jogar fair games, e o fliperama barulhento em que seu pai havia permitido que elas gastassem suas moedas. Havia também um cinema no píer, recordou Lacey, empolgada com os fragmentos de memória que conseguia recuperar. Era um minúsculo cinema de oito lugares, que pouco havia mudado desde que fora construído, com assentos de veludo vermelho. Seu pai a levou com Naomi para assistir a um desenho japonês obscuro lá. Ela se perguntou quantas mais lembranças sua viagem a Wilfordshire produziria. Quantos espaços em branco em sua memória seriam preenchidos por vir aqui?
Como a maré estava baixa, muito da estrutura do píer estava visível. Lacey podia ver alguns passeadores de cães e algumas pessoas correndo. A cidade estava começando a acordar. Talvez houvesse um café aberto agora. Ela decidiu seguir a longa rota marítima até a cidade e começou a caminhar nessa direção.
O penhasco recuava quanto mais ela se aproximava da cidade, e logo surgiram estradas e ruas. No segundo em que pisou na avenida, Lacey foi atingida por outra lembrança repentina, de um mercado com barracas de lona, vendendo roupas, jóias e varetas de doce. Uma série de números pintados com spray no chão indicava seus locais específicos. Lacey sentiu uma onda de animação.
Ao sair da praia, ela seguiu em direção à rua principal — ou rua alta, como os britânicos chamavam. Ela observou a Coach House na esquina, onde conheceu Ivan, antes de virar pela rua cheia de bandeirolas.
Era muito diferente de estar em Nova York. O ritmo era mais lento. Não havia carros buzinando. Ninguém empurrava ninguém. E, para sua surpresa, alguns dos cafés estavam realmente abertos.
Ela entrou no primeiro que encontrou, sem fila à vista, e conseguiu um café Americano preto e croissant. O café estava perfeitamente torrado, rico e com sabor achocolatado, e o croissant era uma delícia de massa folhada amanteigada que derretia na boca.
Com o estômago finalmente satisfeito, Lacey decidiu que era hora de encontrar roupas melhores. Ela viu uma boa boutique no outro lado da rua e começou a andar naquela direção, quando o cheiro de açúcar atacou suas narinas. Ela se voltou e viu uma loja de fudges caseiros acabando de abrir as portas. Incapaz de resistir, ela entrou.
"Quer experimentar uma amostra grátis?" perguntou o homem de avental branco e rosa listrado. Ele apontou para uma bandeja de prata cheia de cubos em diferentes tons de marrom. "Temos fudge de chocolate meio-amargo, chocolate ao leite, chocolate branco, caramelo, toffee, café, salada de frutas e original".
Os olhos de Lacey se arregalaram. "Posso experimentar todos?" perguntou.
"É claro!"
O homem cortou cubinhos de cada sabor e os apresentou a Lacey para ela experimentar. Ela colocou o primeiro na boca e sentiu uma explosão de sabores.
"Delícia", ela falou, com a boca cheia.
Seguiu para o próximo. De alguma forma, era ainda melhor do que o anterior.
Ela experimentou uma amostra após a outra, e elas pareciam ficar cada vez mais deliciosas.
Quando Lacey engoliu o último pedaço, ela mal se deu tempo para respirar antes de exclamar: "Eu tenho que enviar um pouco para o meu sobrinho. Será que estraga se eu mandar pelo correio para Nova York?"
O homem sorriu e pegou uma caixa de papelão forrada com papel alumínio. "Se você usar nossa caixa de entrega especial, não", disse ele com uma risada. "Tornou-se um pedido tão comum que nós a fizemos sob medida. É fina o suficiente para caber na caixa de correio e leve o bastante para manter os custos de postagem baixos. Você também pode comprar os selos aqui".
"Que inovador", disse Lacey. "Você pensou em tudo".
O homem encheu a caixa com um fudge de cada sabor disponível, fechou a caixa plana com fita adesiva e colou os selos postais corretos nela. Depois de pagar e agradecer ao homem, Lacey pegou seu pequeno embrulho, escreveu o nome e o endereço de Frankie na frente e o colocou na tradicional caixa de correio vermelha do outro lado da rua.
Depois que o pacote desapareceu pelo buraco na caixa de correio, Lacey lembrou que estava se distraindo de sua tarefa real — encontrar roupas melhores. Ela estava prestes a sair em busca de uma butique quando se distraiu com a vitrine da loja ao lado da caixa de correio. Representava uma cena da praia de Wilfordshire, com o píer se estendendo mar adentro, mas tudo era feito de macarons de cor pastel.
Lacey imediatamente se arrependeu do croissant que havia comido e de todo o chocolate que experimentou, porque a visão deliciosa a fez salivar. Ela tirou uma foto para o grupo Garotas da Família Doyle.
"Posso ajudar?" uma voz masculina veio de algum lugar ao seu lado.
Lacey se endireitou. Parado na porta estava o dono da loja, um homem muito bonito, com quarenta e poucos anos, cabelos castanhos escuros e espessos e um queixo bem definido. Ele tinha olhos verdes brilhantes, com linhas de expressão ao lado que imediatamente lhe disseram que ele era alguém que gostava da vida, e um bronzeado que sugeria que ele viajava frequentemente para climas mais quentes.
"Estou apenas olhando as vitrines", disse Lacey, com uma voz que parecia que alguém estava apertando suas cordas vocais. "Gostei da sua".
O homem sorriu. "Eu mesmo fiz. Por que você não experimenta alguns bolos?"
"Adoraria, mas já comi", explicou Lacey. O croissant, café e fudge pareciam girar em seu estômago, agitando-se e fazendo-a sentir um pouco de enjoo. De repente, Lacey percebeu o que estava acontecendo — era aquela sensação há muito tempo esquecida de atração física que lhe dava um frio na barriga. Suas bochechas imediatamente coraram.
O homem riu. "Posso dizer pelo seu sotaque que você é americana. Então pode ser que não saiba que, aqui na Inglaterra, temos uma coisa chamada "onze-horas". Vem depois do café da manhã e antes do almoço".
"Eu não acredito em você", respondeu Lacey, sentindo os cantos dos lábios repuxarem para cima. "Onze-horas?"
O homem pôs a mão no coração. "Eu juro, não é um truque de marketing! É o momento perfeito para tomar chá com bolo, chá com sanduíches ou chá com biscoitos". Ele fez um gesto com os braços pela porta aberta, em direção ao armário de vidro cheio de guloseimas com design criativo em toda a sua glória, de aparência deliciosa. "Ou tudo junto".
"Contanto que você tome com chá?" Lacey brincou.
"Exatamente", ele respondeu, com seus olhos verdes brilhando, travessos. "Você pode até experimentar antes de comprar".
Lacey não resistiu mais. Fosse pela atração dos efeitos viciantes do açúcar ou, mais provavelmente, pela atração magnética daquele belo espécime de homem, Lacey entrou.
Ela assistiu ansiosa, com a boca cheia de água, quando ele pegou um grande pão redondo do armário de vidro, recheou-o de manteiga, geleia e creme e o cortou em quatro partes. A coisa toda foi feita de maneira teatral casualmente, como se ele estivesse realizando uma dança. Ele colocou os pedaços em um pequeno prato de porcelana e estendeu-o para Lacey equilibrado na ponta dos dedos, terminando a exibição completamente desinibida com um floreio: "Et voilà".
Lacey sentiu o calor inundar suas bochechas. Toda aquela performance havia sido claramente uma paquera. Ou era isso em que ela queria acreditar?
Ela estendeu a mão e pegou um dos pedaços do prato. O homem fez o mesmo, batendo seu pedaço contra o dela, como um brinde.
"Saúde", disse ele.
"Saúde", Lacey conseguiu responder.
Ela colocou o quitute na boca. Foram várias sensações. Creme espesso e doce. Geléia de morango tão fresca que a nitidez fez seu paladar formigar. E a massa! Densa e amanteigada, em algum lugar entre doce e salgado, e ai-que-delícia.
Os sabores de repente despertaram uma lembrança na mente de Lacey. Ela, seu pai, Naomi e a mãe, todos sentados ao redor de uma mesa de metal branco em um café luminoso, mergulhados em doces recheados de creme e geleia. Ela foi atingida por um raio de nostalgia reconfortante.
"Eu já estive aqui antes!" Lacey exclamou antes mesmo de terminar de mastigar.
"Ah?" foi a resposta divertida do homem.
Lacey assentiu com entusiasmo. "Eu vim para Wilfordshire quando criança. Isto é um scone, não é?"
As sobrancelhas do homem se ergueram, sinceramente curioso. "Sim. Meu pai era dono desta pastelaria antes de mim. Ainda uso a receita especial dele para fazer os scones".
Lacey olhou para a janela. Embora houvesse agora um assento de madeira embutido com uma almofada azul bebê no topo e uma mesa de madeira rústica combinando, ela conseguia imaginar como era trinta anos antes. De repente, se viu transportada de volta para aquele momento. Ela quase conseguia se lembrar da brisa na parte de trás do pescoço, e da sensação pegajosa da geleia nos dedos, do suor nas dobras da parte de trás dos joelhos... Ela até se lembrava do som do riso, do riso de seus pais, e o sorriso despreocupado em seus rostos. Eles estavam tão felizes, não estavam? Ela estava certa de que tinha sido sincero. Então, por que tudo desmoronou?
"Você está bem?" o homem perguntou.
Lacey voltou ao momento presente. "Sim. Desculpa. Eu estava perdida em minhas memórias. Provar este scone me levou de volta trinta anos atrás".
"Bem, você precisa ter 'onze-horas' agora", disse o homem, rindo. "Posso tentar você?"
Os formigamentos que corriam por todo o corpo de Lacey lhe davam a nítida impressão de que qualquer coisa que ele sugerisse naquele sotaque gentil com aqueles olhos atraentes e doces, ela concordaria. Então ela assentiu, percebendo a garganta repentinamente seca demais para formular palavras.
Ele bateu palmas. "Excelente! Deixe-me preparar tudo. Proporcionar toda a experiência inglesa". Ele ia se virar, mas parou e olhou para trás. "Eu me chamo Tom, aliás".
"Lacey", ela respondeu, sentindo-se tonta como uma adolescente apaixonada.
Enquanto Tom se ocupava na cozinha, Lacey sentou-se à janela. Ela tentou evocar mais lembranças do tempo que passou aqui antes, mas infelizmente não havia mais nada a lembrar. Apenas o gosto de scones e o riso de sua família.
Um momento depois, o belo Tom apareceu com um suporte de bolo cheio de sanduíches sem crosta, scones e uma seleção de cupcakes multicoloridos. Ele colocou um bule de chá na mesa ao lado.
"Eu não posso comer tudo isso!" Lacey exclamou.
"É para dois", respondeu Tom. "Por conta da casa. Não é educado fazer uma dama pagar no primeiro encontro".
Ele se sentou ao lado dela.
A candura dele pegou Lacey de surpresa. Ela sentiu os batimentos cardíacos começarem a acelerar. Havia se passado muito tempo desde que ela havia falado com outro homem numa atmosfera de flerte. Aquilo a fez sentir como uma adolescente risonha novamente. Estranha. Mas talvez fosse apenas uma coisa britânica. Talvez todos os homens ingleses se comportassem daquela forma.
"Primeiro encontro?" ela repetiu.
Antes que Tom pudesse responder, o sinete sobre a porta tilintou. Um grupo de cerca de dez turistas japoneses entrou na loja. Tom se levantou rapidamente.
"Oh-oh, clientes". Ele olhou para Lacey. "Vamos adiar este encontro, ok?"
Com a mesma autoconfiança, Tom se dirigiu ao balcão, deixando Lacey com as palavras presas na garganta.
A confeitaria, agora lotada de turistas, tornou-se barulhenta e movimentada. Lacey tentou manter um olho em Tom enquanto devorava os quitutes, mas ele estava ocupado com os pedidos dos clientes.
Quando terminou, ela tentou se despedir, mas ele se retirou para a área da cozinha e não a viu.
Sentindo-se um pouco decepcionada e com a barriga extremamente cheia, Lacey saiu da confeitaria e voltou para a rua.
Então, ela fez uma pausa. Uma vitrine vazia do outro lado da rua da confeitaria chamou sua atenção. Uma emoção muito profunda se agitou dentro dela, que literalmente a deixou sem fôlego. A loja tinha sido algo antes, algo que os recantos mais profundos de suas memórias da infância queriam recordar. Algo que exigia que ela olhasse mais de perto.
CAPÍTULO QUATRO
Lacey espiou pela vitrine frontal da loja vazia, procurando em sua mente as lembranças que havia despertado nela. Mas não lhe veio nada de concreto. Era mais um sentimento, mais profundo do que apenas nostalgia, mais parecido com se apaixonar.
Olhando através das janelas, Lacey podia ver que, lá dentro, a loja estava vazia e às escuras. O chão era um assoalho de madeira clara. Havia várias prateleiras embutidas e uma grande mesa de madeira contra uma parede. A luminária pendurada no teto era de latão antigo. Cara, pensou Lacey. Certamente deve ter sido deixada para trás por acidente.
Então, Lacey percebeu que a porta da loja estava destrancada. Ela não conseguiu se conter e entrou.
Um cheiro metálico, com traços de poeira e mofo, flutuou. Imediatamente, Lacey foi atingida por outro raio de nostalgia. O cheiro era exatamente o mesmo da velha loja de antiguidades de seu pai.
Ela amava aquele lugar. Quando criança, passara muitas horas naquele labirinto de tesouros, brincando com as assustadoras bonecas de porcelana antigas, lendo todos os tipos de histórias em quadrinhos colecionáveis, de Bunty a The Beano, aos excepcionalmente raros e valiosos Rupert the Bear originais. Mas o que ela mais gostava de fazer era simplesmente percorrer as prateleiras de bugigangas e imaginar a vida e a personalidade das pessoas às quais já haviam pertencido. Havia um suprimento infinito de miudezas, aparelhos e outras tranqueiras, e cada item tinha o mesmo aroma estranho de metal, poeira e mofo que ela podia sentir agora.
Assim como ver o Chalé do Penhasco com sua vista para o oceano havia despertado um antigo sonho de infância de viver à beira-mar, agora também, um antigo desejo de infância voltou, inundando-a: o sonho de administrar sua própria loja.
Até o layout a lembrava da antiga loja de seu pai. Enquanto olhava em volta, imagens dos mais profundos recônditos de sua memória surgiram diante de sua visão através de seus olhos, como uma folha de papel transparente colocada em cima de um desenho. De repente, ela viu as prateleiras cheias de relíquias bonitas — principalmente utensílios de cozinha vitorianos, como era o interesse particular de seu pai — e lá, no balcão, Lacey visualizou a grande caixa registradora de metal, pesada e antiquada, com as teclas rígidas que o pai insistia em usar porque "mantinha sua mente afiada" e "aprimorava suas habilidades em matemática mental". Ela sorriu por dentro, sonhadora, enquanto as palavras de seu pai ecoavam em seus ouvidos e as imagens e memórias apareciam diante de seus olhos.
Lacey estava tão perdida em seus devaneios que não ouviu o som de passos vindo dos fundos da loja, em sua direção. Ela também não notou o homem ao qual os passos pertenciam quando ele emergiu pela porta, com uma carranca no rosto, e marchou até ela. Foi só quando sentiu um tapinha leve no ombro que Lacey percebeu que não estava sozinha.
Seu coração deu um salto. Lacey quase gritou de surpresa quando se virou para encarar o estranho. Era um idoso com cabelos brancos ralos e olheiras arroxeadas sob brilhantes olhos azuis.
"Posso ajudá-la?" o homem perguntou, de uma maneira hostil e áspera.
A mão de Lacey voou para seu peito. Levou um momento para perceber que o fantasma de seu pai não tinha apenas lhe dado um tapinha no ombro e que ela não era realmente uma criança em pé em sua loja de antiguidades, mas uma mulher crescida de férias na Inglaterra. Uma mulher adulta que no momento era uma invasora.
"Ai, meu Deus, mil desculpas!" ela exclamou apressadamente. "Não sabia que havia alguém aqui. A porta estava destrancada".
O homem olhou para ela com ceticismo. "Você não vê que a loja está vazia? Não há nada aqui para comprar".
"Eu sei", Lacey continuou, desesperada para apagar aquela primeira má impressão e a carranca de suspeita do rosto do velho. "Mas eu não pude evitar. Este lugar me lembrou muito a loja de meu pai". Para surpresa de Lacey, ela se viu com os olhos subitamente inundados de lágrimas. "Eu não o vejo desde que era criança".
O comportamento do homem mudou em um instante. Ele passou de carrancudo e defensivo para suave e gentil.
"Querida, querida, querida", disse ele, gentilmente, balançando a cabeça enquanto Lacey rapidamente enxugava as lágrimas. "Está tudo bem, minha querida. Seu pai era dono de uma loja como esta?"
Lacey sentiu-se imediatamente envergonhada por ter despejado suas emoções sobre aquele homem, sem mencionar a culpa de que, em vez de chamar a polícia para expulsá-la de sua propriedade privada, ele reagiu como um psicólogo, com compaixão genuína, encorajamento e interesse. Mas Lacey não conseguiu se conter e abriu o coração.
"Ele vendia antiguidades", explicou, com um sorriso leve nos lábios novamente por causa das lembranças, mesmo enquanto as lágrimas caíam de seus olhos. "O cheiro daqui me deixou nostálgica, e tudo voltou à minha mente. A loja dele tinha o mesmo layout". Ela apontou para a porta dos fundos pela qual o homem provavelmente havia entrado. "Essa sala dos fundos era usada para armazenamento, mas ele sempre quis transformá-la em uma sala de leilão. Era muito longa e se abria para um jardim".
O homem começou a rir. "Venha dar uma olhada. A sala dos fundos aqui também é longa e se abre para um jardim".
Tocada pela compaixão dele, Lacey seguiu o homem pela porta até a sala dos fundos. Era comprida e estreita, lembrando um vagão de trem, e quase idêntica ao cômodo que seu pai queria transformar em uma área para fazer leilões. Passando direto pela sala, Lacey saiu para um jardim maravilhoso. Era estreito e comprido, estendendo-se por cerca de quinze metros. Havia plantas coloridas por todo lado e árvores e arbustos estrategicamente colocados, fornecendo a quantidade certa de sombra. Uma cerca na altura dos joelhos era tudo que a separava do jardim da loja vizinha — que, em contraste com o jardim imaculado em que ela estava, parecia ser usado apenas para armazenamento, com várias barracas grandes e feias de plástico cinza e um fileira de latas de lixo.
Lacey voltou sua atenção para o belo jardim.
"É incrível", elogiou.
"Sim, é um lugar bonito", respondeu o homem, endireitando um vaso caído. "As pessoas que alugaram o local antes o usavam como uma loja de jardinagem".
Lacey notou imediatamente o ar melancólico no tom dele. Ela percebeu então que a grande estufa de vidro à sua frente estava com as portas escancaradas e várias plantas em vasos estavam espalhadas por todo o chão, com as hastes esmagadas e terra derramada. Subitamente, ela ficou curiosa. A visão das plantas espalhadas em um jardim tão bem cuidado parecia estranha. Sua mente se moveu imediatamente de seu pai para o momento presente.
"O que aconteceu aqui?" ela perguntou.
O homem idoso tinha uma expressão abatida. "É por isso que estou aqui. Recebi uma ligação do vizinho esta manhã dizendo que parecia que o lugar havia sido esvaziado da noite para o dia.
Lacey ofegou. "Eles foram assaltados?" Sua mente não conseguia conciliar o conceito de crime com a bela e tranquila cidade costeira de Wilfordshire. Para ela, parecia o tipo de lugar onde o mais próximo que alguém chegaria de cometer uma infração era um garoto travesso local roubar uma torta recém-assada colocada no parapeito de uma janela para esfriar.
O homem sacudiu a cabeça. "Não, não, não. Eles foram embora. Empacotaram todo o estoque e esvaziaram a loja. Nem deram aviso prévio. Também me deixaram todas as suas dívidas. Contas de energia e água para pagar. Uma montanha de faturas". Ele balançou a cabeça, triste.
Lacey ficou chocada ao perceber que a loja havia ficado vazia naquela manhã e que ela inadvertidamente havia se intrometido no desenrolar de uma situação, inserindo-se acidentalmente em uma narrativa misteriosa que havia acabado de começar.
"Sinto muito", disse ela com genuína empatia pelo homem. Agora era sua vez de brincar de terapeuta, de retribuir a gentileza dele. "Você vai ficar bem?"
"Na verdade, não", ele disse, sombrio. "Temos que vender a loja para pagar as contas e, sinceramente, eu e minha mulher estamos velhos demais para esse tipo de estresse". Ele bateu no esterno, como se quisesse indicar a fragilidade do coração. "Mas será uma pena dar adeus a este lugar". Sua voz embargou. "Faz parte da família há anos. Eu amo esta loja. Tivemos alguns inquilinos muito interessantes naquele tempo". Ele riu, os olhos enevoando-se com a lembrança. "Mas não. Não podemos passar por esse transtorno novamente. É muito difícil".
A tristeza no tom dele foi suficiente para partir o coração de Lacey. Em que lugar difícil eles haviam sido colocados. Que situação terrível. A profunda empatia que sentiu pelo homem era agravada por sua própria situação, pela maneira como a vida que ela construíra com David em Nova York fora injustamente arrancada dela. Ela sentiu uma súbita responsabilidade de resolver o problema.
"Vou alugar a loja", ela deixou escapar, as palavras saindo de seus lábios antes que seu cérebro tivesse percebido o que estava dizendo.
As sobrancelhas brancas do homem se ergueram, com evidente surpresa. "Desculpe, o que você acabou de dizer?"
"Eu vou alugar", repetiu Lacey rapidamente, antes que a parte lógica de sua mente tivesse a chance de convencê-la do contrário. "Você não pode vender. Tem muita história, você mesmo disse. Muito valor sentimental. E sou super confiável. Eu tenho experiência. Mais ou menos".
Ela pensou na guarda de sobrancelhas escuras no aeroporto, dizendo que ela precisava de um visto para trabalhar, e como lhe havia assegurado com muita confiança que a última coisa que queria fazer na Inglaterra era trabalhar.
E quanto a Naomi? Seu emprego com Saskia? Como seria?
De repente, nada disso importava. Esse sentimento com o qual Lacey foi atingida quando viu a loja parecia amor à primeira vista. Ela estava se jogando de cabeça.
"E então? O que você acha?" perguntou a ele.
O velho parecia um pouco atordoado. Lacey não podia culpá-lo. Ali estava uma estranha mulher americana vestida com roupas de brechó, pedindo-lhe para alugar sua loja quando ele já havia decidido vendê-la.
"Bem... eu..." ele começou. "Seria bom mantê-la na família um pouco mais. Agora também não é o melhor momento para vender, com o mercado do jeito que está. Mas eu preciso falar com minha esposa, Martha, primeiro".
"Claro", disse Lacey. Ela rapidamente rabiscou seu nome e número em um pedaço de papel e entregou a ele, surpresa com a determinação que sentia. "Leve o tempo que precisar".
Ela precisava de tempo para resolver seu visto, afinal, e elaborar um plano de negócios, finanças, estoque e tudo mais. Talvez ela devesse começar comprando uma cópia do Guia para Leigos sobre como Abrir uma Loja.
"Lacey Doyle", disse o homem, lendo o papel que ela lhe entregara.
Lacey assentiu. Dois dias atrás, esse nome não lhe era familiar. Agora parecia o dela novamente.
"Eu sou Stephen", ele respondeu.
Eles apertaram as mãos.
"Aguardo ansiosamente a sua ligação", disse Lacey.
Ela saiu da loja, com o coração disparado de antecipação. Se Stephen decidisse alugá-la, ela ficaria em Wilfordshire em uma base muito mais permanente do que havia planejado. A ideia deveria assustá-la. Mas, em vez disso, deixou-a encantada. Parecia tão certo... Mais do que certo. Parecia o destino.
CAPÍTULO CINCO
"Eu pensei que eram férias!" a voz furiosa de Naomi explodiu através do celular entre a orelha e o ombro de Lacey.