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Ele tinha certeza que seria necessário esperar. Ele tinha muito tempo... não tinha nem um pouco de pressa. Estava tentando enganar a morte e sabia que a morte não iria a nenhum lugar.
Com este pensamento na cabeça, preencheu o apartamento com uma risada parecida com a de uma bruxa. Dando um último olhar ao hamster, caminhou para seu quarto. Estava bem arrumado. Foi até o banheiro e lavou suas mãos com a eficiência de um cirurgião. Então, olhou para o espelho e olhou para seu rosto – um rosto que ele, algumas vezes, pensava ser de um monstro.
Havia um dano irreparável no lado esquerdo do seu rosto. Começava logo abaixo do seu olho e alcançava seu lábio superior. Enquanto a maior parte da pele e tecido havia se recuperado em sua juventude, havia cicatrizes permanentes e descoloração naquele lado da face. Sua boca sempre parecia estar congelada. Uma carranca permanente.
Aos trinta e nove anos de idade, havia deixado de se preocupar em quão ruim aquilo parecia. Era a ajuda que ele recebera. Uma ajuda de merda havia resultado num rosto desfigurada. Mas estava tudo bem... ele estava trabalhando em consertá-lo. Olhou para o reflexo deformado no espelho e sorriu. Poderia levar anos para conseguir, mas estava tudo bem.
- Hamsters custam apenas cinco dólares cada um – ele disse no banheiro vazio.
Ele havia feito algumas leituras, principalmente em fóruns de enfermeiros e estudantes de medicina. Para saber se o experimento com o hamster estava funcionando, as almofadas térmicas precisariam ficar nele por mais ou menos quarenta minutos. Seria um descongelamento lento, que não poderia ser interrompido nem chocar o coração congelado.
Ele passou aqueles quarenta minutos assistindo às notícias. Viu algumas coisas rápidas sobre Patty Dearborne. Viu que Patty estudava na Boston University e havia rumores de se tornar uma conselheira. Ela tinha um namorando e também tinha pais que a amavam. Viu os pais dela na TV, se abraçando e chorando juntos enquanto falavam com a mídia.
Ele desligou a TV enquanto caminhava para a cozinha. O cheiro do hamster descongelando estava começando a tomar conta da sala... um cheiro que ele não estava esperando. Correu de volta ao pequeno corpo e tirou as almofadas térmicas dele.
A pele estava chamuscada e a barriga, até então congelada, estava levemente carbonizada. Ele empurrou aquele pequeno corpo peludo. Quando caiu no chão da cozinha com pequenos trilhos de fumaça saindo da sua pele, ele gritou.
Ele correu pelo apartamento por alguns instantes, furioso. Como era de se esperar, sua raiva e absoluta fúria eram guiadas por memórias de um queimador de forno... queimando suas memórias de infância com cheiro de carne queimada.
Seus gritos diminuíram e se tornaram uma cara feia e soluços em menos de cinco minutos. Então, como se nada fora do comum tivesse acontecido, foi para a cozinha e pegou o hamster. Jogou-o na lixeira como se fosse um pedaço de lixo e lavou suas mãos na pia da cozinha.
Estava sussurrando quando terminou. Quando pegou suas chaves no gancho perto da porta, como de costume, correu sua mão livre pela cicatriz do lado direito do seu rosto. Fechou a porta, trancou, e foi para a rua. Lá, no meio de uma manhã de inverno absolutamente linda, entrou em sua van vermelha e começou a descer pela rua.
Quase casualmente, olhou para si mesmo no espelho retrovisor.
Aquela carranca permanente estava ainda lá, mas não deixou que aquilo o intimidasse.
Ele tinha trabalho a fazer.
***
Sophie Lentz estava de saco cheio da fraternidade. Aliás, ela estava quase desistindo da universidade também.
Vaidosa ou não, ela sabia como era. Havia garotas mais bonitas do que ela, com certeza. Mas ela tinha uma veia latina que a favorecia, os olhos escuros e os cabelos pretos brilhosos. Poderia também mudar seu sotaque quando precisasse. Havia nascido nos Estados Unidos, crescido no Arizona, mas de acordo com sua mãe, a veia Latina nunca a deixara. A veia Latina nunca deixara seus pais também... nem mesmo quando se mudaram para New York na semana depois que Sophie foi aceita na Emerson.
No entanto, aquela veia era mais gritante em sua aparência do que nas suas atitudes e personalidade. E aquilo a ajudara no Arizona. Na verdade, também a ajudara na universidade. Mas apenas no ano de caloura. Ela havia aproveitado, mas não como sua mãe provavelmente pensara. E aparentemente, a história havia se espalhado: Sophie Lentz não demorava muito para ir para a cama, e quando ela ia, você tinha que estar preparado.
Ela supunha que haviam reputações piores. Mas aquilo havia explodido em sua cara nesta noite. Algum cara – ela achava que o nome dele era Kevin – tinha começado a beijá-la e ela deixou. Mas quando eles estavam sozinhos e ele não aceitou um não como resposta...
A mão direita de Sophie ainda doía. Ainda havia um pouco de sangue em seus dedos. Ela os limpou em seu jeans apertado, lembrando o som do nariz daquele babaca batendo contra o seu punho. Ela estava furiosa, mas, no fundo, se perguntava se merecia isso. Ela não acreditava em karma, mas talvez o lado megera que ela havia usado no semestre passado estava se voltando contra ela. Talvez ela estivesse colhendo o que plantou.
Caminhava pelas ruas que cortavam a Emerson College, voltando para o seu apartamento. Sua colega de quarto certinha estaria, sem dúvidas, estudando para algum teste do dia seguinte, então pelo menos ela não estaria sozinha.
Estava a três quarteirões do seu apartamento quando começou a sentir uma sensação estranha. Olhou para trás, certa de que estava sendo seguida, mas não havia ninguém. Ela podia ver as sombras de algumas pessoas em um pequeno café a alguns metros atrás dela, mas era só. Teve um pensamento sobre qual tipo de idiotas bebiam café às onze e meia da noite, ainda irritada sobre Kevin ou qualquer que fosse o nome daquele cara.
Na frente de um semáforo, alguém estava tocando um terrível hip hop. O para choque traseiro do carro estava tremendo e o som parecia miserável. Você está sendo uma verdadeira vadia esta noite, não está? Ela disse a si mesma.
Ela olhou para sua mão direita ligeiramente inchda e sorriu. Sim. Sim, estou.
Quando chegou ao cruzamento onde estava o carro, a luz havia mudado e o carro acelerou. Ela virou à direita no cruzamento e seu prédio já estava à vista. Mais uma vez, porém, sentiu aquela estranha sensação. Virou-se para olhar para trás e, de novo, não havia nada. Um pouco abaixo, na rua, um casal caminhava de mãos dadas. Havia vários carros estacionados na rua e uma única van vermelha andando na direção do semáforo pelo qual ela acabara de passar.
Talvez ela apenas estivesse sendo paranoica porque um babaca havia, basicamente, tentado estupra-la. Aquela adrenalina adicional que estava fluindo por ela era uma combinação insalubre. Ela apenas precisava ir para casa, tomar um banho e ir para a cama. Aquela porcaria de fazer festas tinha que acabar.
Ela se aproximou do apartamento, esperando que sua colega de quarto não estivesse em casa. Ela faria milhares de perguntas do porquê ela chegara cedo em casa. Fazia isso porque era intrometida e não tinha uma vida própria... e não porque se importava.
Ela subiu os degraus do prédio. Quando abriu a porta e entrou, olhou para a rua, com aquela sensação de estar sendo observada novamente. No entanto, as ruas estavam vazias; a única coisa que viu foi um casal se beijando com força na frente de um prédio próximo ao dela. Ela também viu a mesma van vermelha. Estava estacionada no semáforo, numa espécie de marcha lenta. Sophie se perguntou se havia algum babaca dirigindo, assistindo a pegação na frente do outro prédio.
Com uma série de arrepios, Sophie entrou. A porta se fechou, deixando a noite atrás dela. Mas aquele sentimento inquietante permaneceu.
***
Ela acordou quando sua colega de quarto saiu na manhã seguinte. A chata barulhenta estava, provavelmente, saindo para comprar mais mangas ou mamãos para seus pretenciosos smoothies de fruta. Sophie tinha certeza que sua colega de quarto não tinha aulas naquela manhã. Ela olhou para o relógio e viu que eram dez e meia
Merda, ela pensou. Ela teria aula em uma hora e não conseguiria chegar a tempo. Precisava que tomar banho, comer algo e então ir para o campus. Ela suspirou, pensando em como havia permitido se tornar aquele tipo de garota. Seria assim agora? Deixaria seu drama pessoal atrapalhar sua educação e melhora de vida? Ela estava—
Uma batida na porta interrompeu suas reflexões internas. Ela resmungou e saiu da cama. Vestia apenas calcinhas e uma camiseta fina de algodão, mas aquilo não importava. Tinha quase certeza que era sua colega de quarto. A idiota provavelmente havia deixado sua carteira. Ou chaves. Ou alguma coisa...
Outra batida, macia, mas insistente. Sim… era sua colega de quarto. Só ela tinha aquele jeito irritante de bater.
- Calma aí! – Sophie gritou.
Ela chegou na porta e abriu, destrancando a fechadura. Encontrou-se olhando para um estranho. Havia algo errado no rosto dele–foi a primeira coisa que ela notou.
E a última.
O estranho invadiu o apartamento, fechando a porta rapidamente. Antes que Sophie pudesse gritar, havia uma mão em sua garganta e um pano sob sua boca. Ela respirou uma dose pesada de algum tipo de produto químico – um cheiro tão forte que encheu seus olhos de água enquanto ela lutava contra os braços do estranho.
Sua luta diminuiu rapidamente. No momento em que qualquer medo real pudesse tomar conta dela, o mundo havia se tornado uma sombra preta que levou Sophie a um lugar mais escuro e profundo que o sono.
CAPÍTULO NOVE
Noites que não eram cheias de trabalho ou agitadas não eram algo com o qual Avery estava acostumada. Então, quando se via em uma noite assim, ela nunca sabia como agir. No momento, estava sentada em seu sofá, segurando seu telefone e enviando uma mensagem para Rose. Ela sabia que se realmente fosse manter Rose em sua vida a partir de agora, teria que torna-la sua prioridade.
Sim, ela tinha as notas do caso de Patty Dearbone em sua frente, mas elas não a estavam consumindo. Ela também tinha uma cópia da carta que o assassino enviara e mesmo que aquilo a provocasse, ela fez o melhor que pode para colocar Rose acima de tudo naquele momento. Em suas mensagens para a filha, estava descobrindo que Rose estava esperando por algum tipo de atenção, mesmo que não estivesse ciente disso. Ela estava fofocando com uma garota adolescente, falando sobre garotos e filmes. Elas também estavam planejando a próxima saída juntas. Avery tomou o cuidado de contar a Rose o que estava acontecendo em seu trabalho. Assim, se alguma coisa acontecesse e interferisse nos planos, não seria algo que surgiria do nada.
Tentando se acostumar com as estranhas conversas com sua filha de 19 anos, Avery também estava curtindo outro aspecto em sua vida com o qual ela ainda não estava acostumada: ter Ramirez na maior parte do tempo.
Ele estava sentado no lado oposto do sofá, com as pernas esticadas. Seus pés estavam entrelaçados, com os dedos roçando preguiçosamente.
Isso é meio triste, ela pensou. Fofo... mas triste. Eu pensei que essa parte da minha vida tinha acabado... brincando com os dedos com um belo homem mem meu sofá. Essa é a minha vida agora?
Ela riu para si mesma. Não pode evitar. Algumas vezes as surpresas da vida iam além do que era possível compreender.
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