- -
- 100%
- +
Oliver levantou as sobrancelhas, atordoado e em silêncio. Até mesmo os seus colegas pareciam chocados com aquela cena, porque eles nem sequer estavam rindo. A reação do Sr. Portendorfer foi exagerada pelos padrões de qualquer pessoa, e o fato dela ter sido direcionada a um novato piorou ainda mais as coisas. Da recepcionista rabugenta ao volúvel professor de inglês, Oliver se perguntou se havia uma única pessoa legal em todo o colégio!
O Sr. Portendorfer começou a falar sobre os pronomes. Oliver se encolheu ainda mais em seu assento, sentindo-se tenso e infeliz. Por sorte, o Sr. Portendorfer não o provocou mais, mas quando o sinal tocou, uma hora depois, suas palavras grosseiras ainda ressoavam nos seus ouvidos.
Oliver se arrastou pelos corredores, procurando a sala de matemática. Quando encontrou, foi direto para a última fileira, lá atrás. Se o Sr. Portendorfer não sabia que ele tinha um novo aluno, talvez o professor de matemática também não soubesse. Esperava poder ficar invisível pela próxima hora.
Para o alívio de Oliver, funcionou. Ele se sentou, silencioso e anônimo, durante toda a aula, como um fantasma obcecado por álgebra. Mas mesmo isso não parecia ser a melhor solução para seus problemas, raciocinou. Passar despercebido era tão ruim quanto ser humilhado publicamente. Aquilo o fazia se sentir insignificante.
A campainha tocou novamente. Era hora do almoço, então Oliver seguiu as instruções do seu mapa até o corredor. Se o playground tinha sido intimidante, não era nada comparado ao refeitório. Aqui, os alunos pareciam animais selvagens. Suas vozes estridentes ecoavam nas paredes, tornando o barulho ainda mais insuportável. Oliver baixou a cabeça e andou apressadamente em direção à fila.
Paf. De repente, ele bateu em um corpo grande e nada simpático. Lentamente, Oliver levantou os olhos.
Para sua surpresa, estava encarando o rosto de Chris. Dos dois lados dele, como se formassem uma flecha, havia três garotos e uma garota, todos com o cenho franzido. Comparsas foi a palavra que surgiu na mente de Oliver.
"Você já fez amigos?" Oliver disse, tentando não parecer surpreso.
Chris estreitou os olhos. "Nem todos nós somos esquisitos antissociais", respondeu.
Oliver percebeu então que aquela não seria uma interação agradável com seu irmão. Mas nunca havia sido.
Chris olhou para seus novos companheiros. "Este é o meu irmão insignificante, Oliver", anunciou. Então, deu uma gargalhada. "Ele dorme num canto da sala".
Seus novos amigos valentões começaram a rir também.
"Ele está disponível: podem puxar suas calças, empurrá-lo, sufocá-lo e, o que eu mais gosto de fazer", Chris continuou. Ele agarrou Oliver e pressionou os nós dos dedos em sua cabeça. "Podem lhe dar muita dor de cabeça".
Oliver se contorceu e se debateu para se soltar das garras de Chris. Preso naquele horrível e doloroso "abraço", lembrou-se dos poderes de ontem, do momento em que quebrou a perna da mesa e cobriu o colo de Chris com batatas. Se soubesse como havia manisfetado esses poderes, poderia fazer isso agora e se libertar. Mas não tinha ideia de como havia feito aquilo. Tudo o que ele fez foi visualizar mentalmente a mesa quebrando, e o soldado de plástico voando pelo ar. Só precisava disso? De sua imaginação?
Ele tentou agora, imaginando-se numa luta livre com Chris. Mas não funcionou. Com os novos amigos de Chris assistindo, rindo, ele estava muito sintonizado com a realidade de sua humilhação para transferir sua mente para o mundo da imaginação.
Finalmente, Chris o soltou. Oliver cambaleou para trás, esfregando a cabeça dolorida. Ele deu um tapinha no cabelo, que havia se tornado frisado com a estática. Mas mais do que a humilhação do bullying de Chris, Oliver sentiu a pontada de desapontamento por não conseguir usar seus poderes. Talvez a coisa toda da mesa da cozinha fosse apenas uma coincidência. Talvez ele não tenha nenhum poder especial.
A garota que estava ao lado de Chris falou. "Mal posso esperar para conhecê-lo melhor, Oliver". Falou com uma voz ameaçadora que, Oliver percebeu, queria dizer o contrário.
Ele estava preocupado com os valentões. É claro que deveria ter antecipado que o pior de todos seria seu irmão.
Oliver passou por Chris e seus novos amigos e foi para a fila do almoço. Com um suspiro triste, pegou um sanduíche de queijo da geladeira e se dirigiu, de coração pesado, para o banheiro. O banheiro era o único lugar em que se sentia seguro.
*
A próxima aula de Oliver depois do almoço era Ciências. Ele vagou pelos corredores procurando a sala correta, seu estômago revirando com a certeza de que seria tão ruim quanto suas duas primeiras aulas.
Quando encontrou a sala, bateu na janela. A professora era mais nova do que ele estava antecipando. Os professores de ciências que havia tido até agora tendiam a ser velhos e um pouco estranhos, mas Belfry parecia mais lúcida. Ela tinha cabelos castanhos claros compridos e lisos, quase da mesma cor de seu vestido de algodão e cardigã. Ela se virou quando ouviu-o bater na porta e sorriu, mostrando covinhas nas duas bochechas, e fez sinal para ele entrar. Oliver abriu a porta timidamente.
"Olá", disse a Srta. Belfry, sorrindo. "Você é Oliver?"
Oliver assentiu. Embora fosse o primeiro a chegar, sentiu-se, de repente, muito tímido. Pelo menos esta professora parecia estar esperando por ele. Que alívio.
"Estou muito feliz em conhecê-lo", disse a Srta. Belfry, estendendo a mão para ele apertar.
Aquilo tudo era muito formal e não era o que Oliver estava esperando, considerando o que tinha experimentado do Colégio Campbell até agora. Mas apertou a mão dela. Ela tinha uma pele muito macia e seu comportamento amigável e respeitoso deixava-o à vontade.
"Você teve a chance de ler agluma coisa do material?", a professora perguntou.
Os olhos de Oliver se arregalaram e ele sentiu um pouco de pânico. "Eu não sabia que havia algo para ler".
"Tudo bem", disse a Srta. Belfry, tranquilizando-o com seu sorriso amável. "Não se preocupe. Estamos aprendendo sobre cientistas neste semestre, e sobre algumas figuras históricas importantes. Ela apontou para um retrato em preto e branco na parede. "Este é Charles Babbage, ele inventou a..."
"...calculadora", Oliver terminou.
A Sra. Belfry sorriu e bateu palmas. "Você já sabe?"
Oliver assentiu. "Sim. E ele também é frequentemente mencionado como o pai do computador, uma vez que foram seus projetos que levaram à sua invenção". Ele olhou para a próxima foto na parede. "E esse é James Watt", disse. "O inventor do motor a vapor".
A Srta. Belfry assentiu. Ela parecia emocionada. "Oliver, já posso ver que vamos nos dar bem".
Só então, a porta se abriu e os colegas de Oliver entraram. Ele engoliu em seco, sua ansiedade retornando numa velocidade enorme.
"Por que você não se senta?" sugeriu a professora.
Ele assentiu e correu para a carteira mais próxima da janela. Se tudo ficasse insuportável, pelo menos ele poderia olhar para fora e se imaginar em outro lugar. Dali, ele tinha uma excelente vista da vizinhança, de todos os pedaços de lixo e folhas de outono que sopravam ao vento. As nuvens pareciam ainda mais escuras do que naquela manhã. Isso realmente não ajudou a diminuir a sensação de mau presságio que Oliver estava sentindo.
Os outros alunos eram muito barulhentos e indisciplinados. Levou muito tempo para a Srta. Belfry acalmá-las, para que pudesse começar a aula.
"Hoje, estamos continuando de onde paramos na semana passada", disse ela, precisando levantar a voz, Oliver percebeu, para ser ouvida apesar do barulho. "Falando sobre alguns inventores incríveis da Segunda Guerra Mundial. Será que alguém sabe quem é este?"
Ela levantou uma foto em preto e branco de uma mulher sobre a qual Oliver lera em seu livro de inventores. Katharine Blodgett, que inventou a máscara de gás, a cortina de fumaça e o vidro não reflexivo usado para os periscópios de submarinos de guerra. Depois de Armando Illstrom, Katharine Blodgett era uma das inventoras favoritas de Oliver, porque ele achava fascinantes todos os avanços tecnológicos que ela realizou na Segunda Guerra Mundial.
Nesse momento, notou a Srta. Belfry olhando para ele com expectativa. Pela expressão em seu rosto, Oliver percebeu que ela sabia que ele sabia exatamente quem estava na foto. Mas depois de suas experiências de hoje, ele estava com medo de dizer alguma coisa em voz alta. Seus colegas perceberiam em algum momento que ele era um nerd; Oliver não queria adiantar o processo.
Mas a professora acenou para ele, ansiosa e encorajadora. Contra seus instintos, Oliver se pronunciou.
"Esta é Katharine Blodgett", disse ele, finalmente.
O rosto da professora se abriu num sorriso, trazendo suas lindas covinhas com ele. "Correto, Oliver. Você pode dizer à classe quem ela é? O que ela inventou?"
Atrás dele, Oliver podia ouvir uma risada. As crianças já estavam se dando conta do status de nerd dele.
"Foi uma inventora durante a Segunda Guerra Mundial", disse. "Ela criou muitas invenções de guerra úteis e importantes, como periscópios de submarinos. E máscaras de gás, que salvaram muitas vidas".
A Srta. Belfry parecia emocionada.
"ESQUISITO!", alguém gritou da parte de trás.
"Não, obrigada, Paul", disse a professora severamente para o menino que gritou. Então, virou-se para o quadro e começou a escrever sobre Katharine Blodgett.
Oliver sorriu. Depois do bibliotecário que o presenteou com o livro de inventores, a Srta. Belfry era a adulta mais gentil que ele já conhecera. Seu entusiasmo era como um escudo à prova de balas que Oliver poderia envolver em torno de seus ombros, desviando o resto das palavras cruéis de sua classe. Ele começou a prestar atenção na aula, sentindo-se finalmente à vontade.
*
Mais cedo do que esperava, a campainha tocou, indicando o final do dia. Todos saíram apressados da sala, correndo e gritando. Oliver recolheu suas coisas e saiu.
"Oliver, estou muito impressionada com o seu conhecimento", disse a professora quando o encontrou no corredor. "Onde você aprendeu sobre todas essas pessoas?"
"Eu tenho um livro", explicou. "Gosto de inventores. E quero ser um".
"Você faz suas próprias invenções?", ela perguntou, parecendo animada.
Ele assentiu, mas não contou sobre o casaco de invisibilidade. E se ela pensasse que era uma ideia tola? Ele não seria capaz de lidar com qualquer coisa parecida com zombaria em seu rosto.
"Eu acho isso fantástico, Oliver", disse a professora, assentindo. "É muito importante ter sonhos para conquistar. Quem é seu inventor favorito?"
Oliver se lembrou do rosto de Armando Illstrom na foto desbotada de seu livro.
"Armando Illstrom", disse ele. "Ele não é muito famoso, mas inventou muitas coisas legais. Até tentou fazer uma máquina do tempo.
"Uma máquina do tempo?", disse a Srta. Belfry, levantando as sobrancelhas. "Que emocionante".
Oliver assentiu, sentindo-se mais seguro para se abrir, graças ao encorajamento dela. "Sua fábrica fica perto daqui. Eu gostaria de visitá-lo".
"Você deve fazer isso", disse a professora, sorrindo com seu jeito caloroso. "Sabe, quando eu tinha a sua idade, eu amava física. Todos os outros alunos me provocaram, eles não entendiam por que eu queria fazer circuitos ao invés de brincar com bonecas. Mas um dia, meu físico favorito veio à cidade para gravar um episódio de seu programa de TV. Eu também fui e falei com ele depois. Ele me disse para nunca desistir da minha paixão. Mesmo que outras pessoas me dissessem que eu era estranha por estar interessada nisso, se eu tivesse um sonho, eu teria que segui-lo. Eu não estaria aqui hoje se não fosse por essa conversa. Nunca subestime como é importante receber encorajamento de alguém que te entende, especialmente quando parece que ninguém mais o faz".
As palavras da Srta. Belfry impressionaram Oliver poderosamente. Pela primeira vez naquele dia, ele se sentiu feliz. Agora, estava completamente determinado a encontrar a fábrica e a conhecer seu herói face a face.
"Obrigado, Srta. Belfry", disse ele, sorrindo. "Vejo você na próxima aula!"
E, enquanto se afastava apressadamente, ouviu a Srta. Belfry gritar: "Siga sempre os seus sonhos!"
CAPÍTULO TRÊS
Oliver caminhou com dificuldade em direção ao ponto de ônibus, lutando contra o vento forte. Sua mente estava concentrada em seu consolo, no único raio de luz neste novo capítulo sombrio de sua vida: Armando Illstrom. Se ele pudesse conhecer o inventor e sua fábrica, a vida seria pelo menos suportável. Talvez Armando Illstrom pudesse ser seu aliado. O tipo de homem que uma vez tentou inventar uma máquina do tempo certamente seria o tipo de pessoa que se daria bem com um garoto que queria se tornar invisível. Certamente ele, mais do que ninguém, poderia lidar com algumas das idiossincrasias de Oliver. No mínimo, o inventor devia ser mais nerd que ele!
Oliver remexeu no bolso e tirou o pedaço de papel em que havia rabiscado o endereço da fábrica. Ficava mais longe de sua escola do que ele tinha imaginado. Ele teria que pegar um ônibus. Procurou alguns trocados em seu outro bolso e descobriu que tinha apenas o suficiente para a passagem, do dinheiro que sobrou do almoço. Aliviado e cheio de expectativa, foi em direção ao ponto de ônibus.
Enquanto esperava, o vento rugia ao seu redor. Se o tempo piorasse, ele não poderia ficar em pé. Na verdade, as pessoas que passavam por ele também lutavam para não cair. Se não estivesse tão exausto após seu primeiro dia de aula, poderia ter achado a visão até divertida. Mas só conseguia pensar na fábrica.
Finalmente, o ônibus chegou, velho e surrado. Oliver subiu e pagou a passagem. Sentou-se bem na parte de trás. O ar dentro do ônibus cheirava a batatas fritas oleosas e cebola. O estômago de Oliver roncou, lembrando-lhe que provavelmente sentiria falta do jantar que estaria esperando por ele em casa. Talvez gastar dinheiro com a passagem em vez de um lanche fosse uma decisão tola. Mas encontrar a fábrica de Armando era o único raio de luz em sua existência sombria. Se ele não fizesse isso, qual o sentido?
O ônibus fez um barulho e partiu, sacolejando. Oliver olhou melancolicamente para as ruas que ficavam para trás. Latas de lixo estavam derrubadas pelos lados e algumas até deslizaram para a estrada, empurradas pelos ventos. As nuvens estavam tão escuras que pareciam quase negras.
As casas começaram a ficar mais espaçadas e a vista de sua janela tornou-se ainda mais deserta e dilapidada. O ônibus parou, alguns passageiros desceram, e depois parou novamente, desta vez para se despedir de uma mãe cansada e seu bebê, que chorava. Depois de várias paradas, Oliver percebeu que ele era a única pessoa a bordo. O silêncio pareceu estranho.
Finalmente, o ônibus passou por uma parada com uma placa enferrujada e desbotada. Oliver percebeu que era onde deveria descer. De um salto, correu para a frente do ônibus.
"Posso descer, por favor?" perguntou.
O motorista olhou para ele com olhos tristes e preguiçosos. "Peça parada apertando o botão".
"Desculpe, você quer que eu..."
"Peça parada", repetiu o motorista, monotonamente. "Se você quer sair do ônibus, tem que apertar a campainha".
Oliver suspirou, frustrado. Então, apertou o botão da campainha. Ela soou. Ele se virou para o motorista, levantando as sobrancelhas. "Agora eu posso sair?"
"Na próxima parada", disse o motorista.
Oliver ficou furioso. "Eu queria descer naquela parada!"
"Deveria ter tocado a campainha mais cedo", o motorista do ônibus respondeu, com seu jeito de falar arrastado e preguiçoso.
Oliver cerrou os punhos, exasperado. Mas, finalmente, sentiu o ônibus começar a desacelerar. O veículo parou ao lado de um semáforo tão antigo que não passava de um quadrado enferrujado. A porta se abriu lentamente, rangendo.
"Obrigado", Oliver murmurou para o motorista desatencioso.
Ele desceu apressadamente os degraus e pulou na calçada rachada. Olhou para a placa, mas estava muito enferrujada para que fosse possível ler qualquer coisa. Ele só conseguiu distinguir algumas letras, datilografadas em uma velha fonte da década de 1940, popular durante a guerra.
Quando o ônibus se afastou, deixando uma nuvem de fumaça vinda do escapamento, a sensação de solidão de Oliver começou a se intensificar. Mas quando a fumaça se dispersou, um edifício de aparência muito familiar apareceu diante dele. Era a fábrica do livro! A fábrica real de Armando Illstrom! Ele a teria reconhecido em qualquer lugar. O antigo ponto de ônibus deve ter atendido aos funcionários da fábrica durante seu auge. A teimosia do motorista do ônibus tinha realmente feito um grande favor a Oliver, deixando-o no lugar exato em que precisava estar.
Exceto pelo fato de que, Oliver percebeu ao olhar para a fábrica, ela parecia em muito mau estado. Várias das janelas estavam rachadas. Através delas, Oliver pôde ver que o interior estava completamente às escuras. Parecia que não havia ninguém dentro.
O medo se apossou dele. E se Armando tivesse morrido? Um inventor trabalhando durante a Segunda Guerra Mundial estaria muito velho agora, e as chances dele ter falecido eram bem altas. Se seu herói realmente tivesse morrido, então o que esperar mais da vida?
Oliver sentiu-se desolado enquanto caminhava em direção ao prédio dilapidado. Quanto mais perto chegava, melhor podia ver. Todas as janelas do andar térreo estavam fechadas. Uma enorme porta de aço estava protegida sobre o que ele lembrava ser a grande entrada principal, de acordo com a foto. Como ele poderia entrar?
Oliver começou a contornar o exterior do prédio, caminhando com dificuldade através dos emaranhados de urtigas e heras que cresciam ao redor do perímetro. Ele encontrou uma pequena fresta entre as tábuas que cobriam uma das janelas e espiou o interior do prédio, mas estava muito escuro para ver alguma coisa. Foi em frente, contornando o prédio.
Quando chegou perto da parte de trás, Oliver encontrou outra porta. Ao contrário das outras, esta não estava coberta por tábuas. Na verdade, estava parcialmente entreaberta.
Com o coração acelerado, Oliver empurrou a porta. Sentiu um certa resistência, e a porta emitiu o típico som estridente de metal enferrujado. Aquilo não era um bom sinal, Oliver pensou, enquanto estremecia ao ouvir aquele barulho desagradável. Se a porta estivesse sendo usada, ao menos com uma certa frequência, não deveria estar tão emperrada devido à ferrugem, nem fazer esse som.
Com a porta aberta apenas o suficiente para ele passar se espremendo por ela, Oliver enfiou seu corpo através da abertura e entrou na fábrica. Seus passos ecoaram quando ele foi empurrado para a frente, poucos passos depois, devido ao esforço de passar o próprio corpo através da pequena fresta.
Dentro do prédio, estava escuro como breu, e os olhos de Oliver ainda não haviam se ajustado à súbita mudança de luminosidade. Praticamente cego pela escuridão, Oliver sentiu seu olfato se aguçar, para compensar. Ele percebeu os odores de poeira e metal e o cheiro característico de um prédio abandonado.
Esperou ansiosamente que seus olhos finalmente se ajustassem à pouca luz. Quando conseguiu, porém, foi suficiente apenas para ver alguns metros à frente de seu rosto. Ele começou a caminhar com cuidado pela fábrica.
Oliver perdeu o fôlego, maravilhado, ao se deparar com uma enorme engenhoca de madeira e metal, que parecia uma enorme panela. Tocou o lado da máquina e a tigela começou a balançar como um pêndulo em sua armação de metal. A armação também girou, fazendo Oliver pensar que tinha algo a ver com o mapeamento do sistema solar e o movimento dos planetas ao redor do sol, girando em vários eixos. Mas o que a engenhoca era realmente, Oliver não fazia ideia.
Ele caminhou mais um pouco e encontrou outro objeto de aparência estranha. Era feito de uma coluna de metal, mas com um tipo de braço operado mecanicamente saindo pelo topo, e uma garra na forma de mão na parte inferior. Oliver tentou girar a roda e o braço começou a se mover.
Parece com aquelas máquinas de fliperamas, Oliver pensou.
A engenhoca se movia como aquelas máquinas com braços motorizados e uma garra, com a qual ninguém consegue pegar um bicho de pelúcia. Mas esta era muito maior, como se tivesse sido projetada para muito mais do que apenas pegar objetos.
Oliver tocou cada um dos dedos da mão em forma de garra. Cada um tinha o número exato de articulações que um dedo real teria, e cada parte se movia quando ele a empurrava. Oliver se perguntou se Armando Illstrom estava tentando fazer seu próprio robô, mas decidiu que fazia mais sentido que era sua tentativa de fazer um autômato. Havia lido tudo sobre eles; máquinas em forma humana que podem executar ações pré-planejadas específicas, como escrever ou digitar.
Oliver continuou andando. Ao seu redor, havia grandes máquinas imóveis e imponentes, como feras gigantescas congeladas no tempo. Eram feitas de uma combinação de materiais, como madeira e metal, e consistiam em muitas partes diferentes, como engrenagens e molas, alavancas e polias. Havia teias de aranha penduradas nelas. Oliver experimentou alguns dos mecanismos, perturbando uma variedade de insetos que haviam se instalado nas fendas sombrias das máquinas.
Mas a sensação de admiração começou a desaparecer quando lhe ocorreu, com uma terrível sensação de desespero, que a fábrica realmente estava abandonada. E há muito tempo. Provavelmente, há décadas, pela espessura da camada de poeira e pelo acúmulo de teias de aranha, pela maneira como os mecanismos rangiam e pelo grande número de insetos que haviam se instalado neles.
Com uma angústia cada vez maior, Oliver caminhou apressado pelos outros espaços do prédio, com uma esperança que só fazia diminuir, enquanto verificava salas laterais e corredores escuros. Não havia sinal de vida.
Ele ficou ali, parado, no escuro, naquele armazém vazio, cercado pelas relíquias de um homem que agora sabia que nunca iria conhecer. Ele precisava de Armando Illstrom. Precisava de um salvador que pudesse tirá-lo de sua tristeza. Mas tudo não passou de um sonho. E agora esse sonho havia sido destruído.
*
Oliver passou o trajeto de ônibus inteiro de volta para casa sentindo-se magoado e decepcionado. Estava infeliz demais até para ler seu livro.
Chegou no seu ponto de ônibus, sob a noite chuvosa. As gotas batiam em sua cabeça, encharcando-o. Mas ele estava consumido demais com sua miséria para notar.
Quando chegou em casa, Oliver lembrou que não tinha sua própria chave ainda. A impossibilidade de entrar parecia um golpe cruel extra para um dia já desesperadamente triste. Mas ele não tinha escolha. Bateu na porta e se preparou.
A porta foi aberta em um movimento rápido. Lá, na sua frente, com um sorriso demoníaco, estava Chris.
"Você está atrasado para o jantar", disse ele, carrancudo, com um lampejo de prazer nos olhos. "Mamãe e papai estão surtando".
Atrás de Chris, Oliver ouviu a voz estridente da mãe. "É ele? É Oliver?"
Chris gritou por cima do ombro. "Sim. E ele está parecendo um rato afogado".
Ele olhou de novo para Oliver, com uma expressão de alegria pelo confronto que se aproximava. Oliver entrou, passando pelo corpo grande e maciço de Chris. Ele deixou um rastro molhado por causa de suas roupas encharcadas, criando uma poça sob seus pés.
Mamãe correu até o corredor e ficou na extremidade oposta, olhando para ele. Oliver não conseguia discernir se sua expressão era de alívio ou de fúria.
"Oi, mãe", ele falou, humildemente.
"Olha só para você!" ela exclamou. "Onde esteve?"
Se foi um alívio ver o filho em casa, ela não expressou isso com um abraço ou algo assim. A mãe de Oliver não era muito de abraçar.
"Eu tinha algo para fazer depois da escola", Oliver respondeu, evasivo. Ele tirou o suéter encharcado.






