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Corremos até a porta da frente, Logan se vira e olha para Sasha. Ele balança a cabeça.
“Para onde vocês irão levá-la?” ele pergunta.
“Para o rio,” eu falo.
Ele balança a cabeça, desaprovando.
“O tempo está passando,” ele diz. “Você tem mais quinze minutos para voltarmos. Onde está a comida?”
“Não está aqui,” eu respondo. “Temos que subir um pouco mais, até uma casinha que eu havia encontrado. Podemos fazer isso em quinze minutos.”
Caminho com Bree até o caminhão e jogo os cabos de tirolesa e o saco de estopa na picape. Fico com os sacos vazios, sabendo que irei utilizá-los para pegar comida.
“Para que esses cabos?” Logan questiona, nos aproximando por trás. “Não iremos utilizá-los.”
“Nunca se sabe,” eu falo.
Eu me viro para Bree, ponho um braço ao redor de Bree, que ainda olha para Sasha e depois me afasto, olhando para o topo da montanha.
“Vamos indo,” eu falo para Logan.
Relutantemente, ele se aproxima de nós e começa a subir a montanha.
Nós três avançamos firmemente montanha acima, o vento vai ficando cada vez mais forte, é mais frio aqui em cima. Olho para o céu preocupada, está escurecendo muito mais rápido do que eu esperava. Sei que Logan está certo: temos que voltar ao rio antes do anoitecer. E, com o por do sol acontecendo praticamente agora, sinto uma inquietação crescente. Mas, ao mesmo tempo, sei que precisamos da comida.
Marchamos montanha acima e, finalmente, alcançamos a clareira no topo, quando uma rajada de vento fere meu rosto. A cada minuto que passa, fica mais frio e mais escuro.
Refaço meus passos até a casinha, a neve está densa aqui em cima, sinto-a atravessando minhas botas enquanto ando. Vejo a pequena construção, coberta de neve, escondida e anônima como sempre. Vou depressa em direção a ela e abro a pequena porta; Logan e Bree estão bem atrás de mim.
“Bela descoberta,” ele diz e, pela primeira vez, ouço admiração em sua voz. “Bem escondida. Quase tão boa que me faz querer ficar aqui – se os comerciantes de escravos não estivessem em nosso encalço, e se tivéssemos algum abastecimento de comida.”
“Eu sei,” eu falo, quando entro na casinha.
“É linda,” Bree fala. “É a casa para onde iríamos nos mudar?”
Olho para Bree, me sentindo triste. Eu aceno com a cabeça.
“Depois falamos disso, pode ser?”
Ela entende. Também não está nada ansiosa para encontrar os comerciantes de escravos.
Eu me apresso e abro logo o alçapão, desço pela íngreme escada. Está escuro aqui dentro e preciso me guiar através do toque. Estendo as mãos e sinto uma fileira de frascos de vidros, tilintando quando os toco. Os potes de vidro. Não perco tempo. Pego meu saco de estopa vazio e os encho o mais rápido que consigo. Eu mal consigo enxergá-los enquanto o saco vai ficando cada vez mais pesado, mas lembro-me de haver geleia de framboesas, de mirtilos, picles, pepinos… Encho o saco o máximo que consigo e subo a escada para entregá-lo para Logan. Ele o pega e eu então eu encho mais três sacos.
Deixo a parede inteira vazia.
“Chega,” Logan fala. “Não dá para carregar mais. E está ficando escuro. Temos que ir.”
Agora há um pouco mais de respeito em sua voz. Ele está claramente impressionado com este estoque que eu encontrei e, finalmente, reconhece que precisávamos vir para cá.
Ele estende a mão e me oferece ajuda, mas eu consigo subir a escada sozinha, não preciso de sua ajuda e ainda estou brava com suas atitudes anteriores.
Ao sairmos da casinha, eu pego dois dos pesados sacos enquanto Logan se encarrega dos outros. Nós três nos apressamos e logo estamos refazendo nossos passos de volta à íngreme trilha. Em minutos, estamos de volta ao caminhão e estou aliviada de ver que tudo ainda está aqui. Olho para o horizonte e não vejo sinais de movimentação em lugar nenhum da montanha, nem no vale.
Entramos de novo no caminhão, giro a ignição, feliz de ver que ela funciona e partimos. Temos comida, suprimentos, nossa cachorra e eu pude me despedir da casa de papai. Estou satisfeita. Sinto que Bree, ao meu lado, também está contente. Logan olha para fora da janela, perdido em seus próprios pensamentos, mas não consigo deixar de imaginar que ele também acha que fizemos a decisão certa.
*A trilha de volta, para descer a montanha, é desnivelada, para minha surpresa, os breques desta picape velha estão aguentando bem. Em alguns lugares, onde é bem íngreme, deslizamos controladamente, não brecamos realmente, mas, em alguns minutos, já passamos pelo pior e estamos de volta à estável Rota 23, em direção ao Leste. Vamos acelerando e, pela primeira vez em algum tempo, sinto-me otimista. Temos ferramentas preciosas e comida suficiente para nós para alguns dias. Estou me sentindo bem, realizada, enquanto cruzamos a Rota 23, apenas a alguns minutos de chegarmos ao barco.
E, então, tudo muda.
Aperto os freios repetidamente ao ver uma pessoa surgir do nada e ficar bem no meio da rua, balançando os braços histericamente, bloqueando nosso caminho. Ele está a menos de cinquenta metros de nós e eu preciso pisar nos freios com toda a minha força, fazendo a picape patinar;
“NÃO PARE!” Logan manda. “Continue dirigindo!” Ele está usando seu tom militar.
Mas eu não consigo lhe dar ouvidos. Há um homem ali fora, indefeso, usando uns jeans surrados e um colete sem manga, neste frio. Ele tem uma longa barba preta, cabelos rebeldes e olhos grandes e insanos. É tão magro que não deve comer há dias. Carrega um arco e flecha, preso ao seu peito. É um humano, um sobrevivente, assim como nós, está óbvio.
Ele movimenta seus braços freneticamente e eu não posso atropelá-lo. Também não posso deixá-lo aqui.
Nós paramos bruscamente, a apenas alguns metros do homem. E ele continua lá, de olhos arregalados, como se não esperasse realmente que iríamos brecar.
Logan não perde tempo e sai do carro, com as mãos em sua pistola, mirando na cabeça do homem.
“PARA TRÁS!”ele grita.
Eu também saio.
O homem lentamente levanta os braços, parecendo atordoado enquanto dá vários passos para trás.
“Não atirem!” o homem implora. “Por favor! Eu sou um de vocês! Preciso de ajuda. Por favor. Vocês não podem me deixar morrer aqui. Não como há dias. Deixe-me ir com vocês. Por favor. Por favor!”
Sua voz está fraquejando e eu vejo angústia em seu rosto. Sei como ele se sente. Há pouco tempo, eu estava que nem ele, implorando por qualquer comida nas montanhas. Na verdade, não estou muito melhor que isso agora.
“Aqui, peguem isso!” o homem fala, tirando seu arco e estojo de flechas. “É para vocês! Não quero machucar ninguém!”
“Movimente-se devagar,” Logan avisa, ainda suspeitando.
O homem estende cautelosamente suas mãos e entrega a arma.
“Brooke, pegue,” Logan fala.
Eu dou um passo para frente, pego o arco e as flechas e os jogo dentro do caminhão.
“Veja,” o homem diz, abrindo um sorriso. “Não sou uma ameaça. Só quero me juntar a vocês. Por favor. Não podem me deixar morrendo aqui.”
Lentamente, Logan baixa sua guarda e abaixa um pouco sua arma. Mas continua de olho no homem.
“Desculpe-me,” Logan fala. “Mas não podemos alimentar mais uma boca.”
“Espere!” eu grito para Logan. “Você não é o único aqui. Você não toma todas as decisões.” Viro para o homem. “Qual é o seu nome?” eu pergunto. “De onde você vem?”
Ele olha desesperado para mim.
“Meu nome é Rupert,” ele responde. “Estou sobrevivendo aqui há dois anos. Já vi você e sua irmã antes. Quando os comerciantes de escravos a levaram, eu tentei ajudar. Fui eu quem cortou aquela árvore!”
Meu coração aperta quando ele diz isso. Foi ele quem tentou nos ajudar. Não posso simplesmente deixá-lo aqui. Não é certo.
“Temos que levá-lo,” eu falo para Logan. “Podemos arranjar espaço para mais um.”
“Você não o conhece,” Logan replica. “Além disso, nós não temos comida suficiente.”
“Posso caçar,” o homem fala. “Eu tenho um arco e flechas.”
“E não está te ajudando muito aqui em cima.” Logan retruca.
“Por favor,” Rupert diz. “Posso ser útil. Por favor. Não me interessa a sua comida.”
“Ele vai conosco,” eu falo para Logan.
“Não vai, não,” ele responde. “Você não conhece este home. Não sabe nada sobre ele.”
“Eu mal sei alguma coisa sobre você,” eu falo para Logan, minha raiva crescendo. Odeio como ele consegue ser tão cínico, tão defensivo. “Você não é o único que tem o direito de viver.”
“Se você levá-lo, estará prejudicando todos nós,” ele diz. “Não apenas você. Sua irmã também.”
“Há três de nós aqui pelo que eu saiba,” ouço a voz de Bree.
Eu me viro e vejo que ela saiu do caminhão e está atrás de nós.
“E isto significa que nós somos uma democracia. E meu voto conta. E eu voto para a gente levá-lo junto conosco. Não podemos deixá-lo aqui para morrer.”
Logan balança sua cabeça, parece enojado. Sem mais uma palavra sequer, com sua mandíbula enrijecida, ele entra de volta no caminhão.
O homem olha para mim com um enorme sorriso, sua cara se contrai em milhares de rugas.
“Obrigado,” ele sussurra. “Não sei como posso agradecer.”
“Apenas ande, antes que ele mude de ideia,” eu respondo enquanto retornamos ao caminhão.
Quando Rupert se aproxima da porta, Logan fala, “Você não vai sentar aqui na frente. Fique na parte de trás da picape.”
Antes que eu possa argumentar, Rupert alegremente vai para a parte de trás. Bree entra comigo e logo partimos.
O restante do caminho de volta é desesperador. Enquanto dirigimos, o céu escurece. Eu olho constantemente para o pôr-do-sol através das nuvens, cor de sangue. A cada segundo que passa, fica mais frio e a neve se endurece, vira gelo em alguns lugares, dirigir vai ficando perigoso. O ponteiro do combustível vai caindo, piscando uma luzinha vermelha e, apesar de faltar um quilômetro e meio mais ou menos, sinto como se o caminhão estivesse lutando para andar cada centímetro. Também me sinto muito inquieta com a opinião que Logan tem de nosso novo passageiro. É só mais um desconhecido. Só mais uma boca para alimentar.
Eu silenciosamente desejo que o caminhão continue andando, que o céu continue claro, que a neve não congele enquanto eu piso no acelerador. E, quando acho que nunca iremos chegar, fazemos uma curva e eu finalmente vejo o nosso desvio. Piso com força pela estradinha de terra, descendo na direção do rio, rezando para que o caminhão aguente. O barco, eu sei, está a apenas uns cem metros de distância.
Damos outra curva e, ao fazê-lo, meu coração se alivia quando vejo o barco. Ainda está ali, balançando na água, vejo Ben em pé, parece nervoso, olhando para o horizonte, procurando por nós.
“Nosso barco!” Bree grita entusiasmada.
Esta rua tem ainda mais lombadas quando aceleramos pela descida. Mas vamos conseguir. Nunca me senti tão aliviada.
Enquanto olho para o horizonte, à distância, vejo algo que faz meu coração se apertar. Não posso acreditar. Logan deve ter visto ao mesmo tempo que eu.
“Maldição,” ele sussurra.
Ao longe, no Hudson, está um barco de comerciantes d escravos – um belo, enorme, negro barco a motor, vindo rapidamente em nossa direção. Tem duas vezes o tamanho do nosso e, certamente, é mais bem equipado. Para piorar, tem outro barco atrás desse, mais distante.
Logan estava certo. Eles estavam bem mais perto do que eu imaginava.
Piso nos freios com tudo e derrapamos até pararmos, a uns dez metros da margem. Estaciono de qualquer jeito, abro a porta e saio, me preparando para correr.
De repente, sinto que há algo muito errado. Sinto que não consigo respirar, tem um braço apertando minha garganta e então sinto que estou sendo arrastada para trás. Estou perdendo ar, vendo estrelas e não entendo o que está acontecendo. Os comerciantes de escravos nos emboscaram?
“Não se mexa,” sibila uma voz em meu ouvido.
Sinto algo afiado e frio contra minha garganta e percebo que é uma faca.
E então eu entendo o que aconteceu: Rupert. O estranho. Foi ele quem me atacou.
T R Ê S
“ABAIXEM SUAS ARMAS” Rupert grita. “AGORA!”
Logan está a alguns metros de distância, apontando sua pistola na direção da minha cabeça. Ele continua segurando-a e posso ver que está deliberando se deve ou não atirar neste homem. Sei que ele quer, mas está preocupado em me atingir.
Percebo como eu fui idiota ao deixar esta pessoa vir conosco. Logan esteve certo o tempo inteiro. Eu deveria tê-lo escutado. Rupert só estava nos usado, estava atrás de nosso barco, nossa comida e nossos suprimentos, queria tudo para si mesmo. Ele está completamente desesperado. Percebo em um segundo que ele certamente irá me matar. Não tenho nenhuma dúvida disso.
“Atire!”eu grito para Logan. “Vamos!”
Eu confio em Logan – sei que ele atira muito bem. Mas Rupert me segura com força e eu posso ver que Logan está inseguro, indeciso. É neste momento que eu vejo nos olhos de Logan que ele tem medo em me perder. No final das contas, ele se importa. Ele realmente se importa.
Aos poucos, Logan segura sua arma com a palma aberta e então a coloca suavemente na neve. Meu coração aperta.
“Solte-a!” ele exige.
“A comida!” Rupert grita de volta, sua respiração em meus ouvidos. “Estes sacos! Traga-os para mim! Agora!”
Logan lentamente anda até a parte de trás do caminhão, pega os quatro pesados sacos e volta para o homem.
“Ponha-os no chão!” Rupert grita. “Devagar”
Lentamente, Logan os coloca no solo.
À distância, eu ouço o gemido do motor dos comerciantes de escravos, se aproximando. Não consigo acreditar em como eu fui idiota. Tudo está desmoronando bem na minha frente.
Bree sai do caminhão.
“Largue a minha irmã!” ela berra.
E então eu vejo o futuro se desenrolar diante dos meus olhos. Vejo o que vai acontecer. Rupert vai cortar minha garganta e então irá pegar a arma de Logan e irá matar Bree e ele. E depois Ben e Rose. Vai pegar toda a nossa comida e depois vai sumir.
Matar-me é uma coisa. Agora, machucar Bree é outra, completamente diferente. E é algo que eu simplesmente não vou permitir.
De repente, eu reajo. Imagens de meu pai passam em um flash por minha mente, sua coragem, seus movimentos nos combates mano-a-mano que ele havia me ensinado. Pontos de pressão. Golpes. Chaves de braço. Como se desviar de quase qualquer coisa. Como derrubar um homem com um só dedo. E como se livrar de uma faca no seu pescoço.
Eu invoco algum reflexo ancestral e deixo meu corpo se envolver. Levanto a parte interna de cotovelo, quinze centímetros, e o abaixo com tudo, mirando em seu plexo solar.
O golpe é preciso, exatamente aonde eu queria. Sua faca penetra um pouco em minha pele, arranhando-a, sinto dor.
Mas, ao mesmo tempo, eu o ouço exclamar e percebo que meu golpe funcionou.
Dou um passo e empurro seu braço para longe do meu pescoço e então dou um chute para trás, atingindo-o entre as pernas.
Ele tropeça para trás e cai na neve.
Fico ofegante, minha garganta está me matando. Logan mergulha para alcançar sua arma.
Eu me viro e vejo Rupert sair correndo em direção ao nosso barco. Ele dá três grandes passos e pula bem no meio. No mesmo movimento, ele corta a corda que segura o barco à margem. Tudo acontece em um piscar de olhos; mal consigo acreditar na velocidade com que ele se movimenta.
Ben fica ali parado, perturbado e confuso, sem saber o que fazer. Rupert, por outro lado, não hesita: se aproxima de Ben e lhe dá um soco no rosto com sua mão livre.
Ben tropeça e cai e, antes que ele consiga se levantar, Rupert o agarra por trás e, quase o sufocando, segura a faca próxima a sua garganta.
Ele se vira e nos encara, utilizando Ben como escudo humano. Dentro do barco, Rose está encolhida, gritando de medo e Penélope late como nunca.
“Se você me acertar, vai acertá-lo também!” Rupert avisa.
Logan está com sua arma de volta, de pé, mirando. Mas não é um tiro fácil. O barco vai se afastando da margem, já está a uns quinze metros, balançando loucamente com a força da correnteza. Logan tem uns cinco centímetros para acertá-lo sem matar Ben. Logan hesita e eu posso ver que ele não quer arriscar a vida de Ben, nem mesmo para nossa própria sobrevivência. É uma qualidade admirável.
“As chaves!” Rupert grita para Ben.
Ben, a seu favor, fez pelo menos uma coisa certa: ele deve ter escondido as chaves em algum lugar quando viu Rupert se aproximando. Bem pensado.
Ao longe, de repente, vejo os comerciantes de escravos aparecendo, o ronco de seus motores cada vez mais nítidos. Tenho uma crescente sensação de temor, de desamparo. Não sei mais o que fazer. Nosso barco está distante demais da margem para que a gente consiga pular dentro dele agora – e, mesmo que pudéssemos, Rupert mataria Ben durante o processo.
Penélope late e salta dos braços de Rose, atravessa o barco e afunda seus dentes no tornozelo de Rupert.
Ele berra e, momentaneamente, solta Ben.
Um tiro é disparado. Logan conseguiu sua chance e não perdeu tempo.
É um tiro limpo, bem no meio dos olhos. Rupert olha de volta para nós com os olhos arregalados, enquanto a bala penetra em seu cérebro. E então ele dá um passo para trás, para a beira no barco, como se fosse sentar e, por fim, cai de costas no rio, espirrando água.
Acabou.
“Traga o barco de volta para a margem!” Logan grita para Ben. “JÁ!”
Ben, ainda perturbado, entra em ação. Ele pega as chaves de seu bolso, liga o barco e o direciona de volta à terra. Eu agarro dois sacos de comida, Logan pega os outros dois e nós os jogamos dentro do barco assim que este toca a margem. Pego Bree e coloco dentro do barco, então corro de volta para o caminhão. Logan pega os sacos com suprimentos e eu pego Sasha. Então, ao me lembrar, volto para o caminhão e pego o arco e as flechas de Rupert. Sou a última a pular da margem para o barco, já partindo. Logan toma conta do timão, pisa no acelerador e vamos pegando velocidade, nos afastando do pequeno canal.
Vamos depressa em direção à entrada do Hudson, a uns cem metros de nós. No horizonte, o barco dos comerciantes de escravos – belo, negro e ameaçador – avança em nossa direção, a uns oitocentos metros de distância. Será difícil. Parece que mal conseguiremo alcançar o canal a tempo, mal temos a chance de fazê-lo. Eles estarão bem atrás de nós.
Nós alcançamos o Hudson assim que começa a anoitecer e, ao fazê-lo, os comerciantes de escravos estão à plena vista. Estão a menos de cem metros atrás de nós e cada vez mais perto. Atrás deles, no horizonte, também vejo o outro barco, mesmo estando a um quilometro e meio de distância.
Tenho certeza de que, se tivéssemos mais tempo, Logan me diria te avisei. E ele estaria certo.
Assim que penso essas coisas, tiros são disparados. Balas passam por nós, atingindo a carcaça do barco, despedaçando madeira. Rose e Bree gritam.
“Abaixem-se!” eu berro.
Eu me lanço sobre Bree e Rose, as agarro e as jogo no chão. Logan, impressionantemente, sequer se encolhe, continua pilotando o barco. Ele desvia um pouco, mas não perde o controle. Ele se agacha enquanto pilota, tentando evitar as balas e também os pedaços de gelo que começam a surgir no rio.
Ajoelho-me na parte de trás do barco, levantando minha cabeça apenas o necessário, miro, ao estilo militar, com minha pistola. Quero atingir o piloto, disparo várias vezes.
Nenhum o atinge, mas, pelo menos, eles mudam de direção.
“Fique com o timão!” Logan grita para Ben.
Ben, para seu crédito, não hesita. Ele corre para a frente e fica co o timão, o barco vira um pouco ao fazê-lo.
Logan então corre para o meu lado, se ajoelhando.
Ele dispara e suas balas falham, atingindo o barco. Ele disparam contra nós e uma bala não me atinge por centímetros. Eles estão se aproximando rapidamente.
Outra bala arranca um grande pedaço de madeira da traseira do nosso barco.
“Eles estão disparando no nosso tanque de combustível!” Logan berra. “Mire no deles!”
“Onde fica?” eu grito mais alto que o ronco do motor e o som dos disparos no ar.
“Na parte de trás do barco, do lado esquerdo!” ele responde aos gritos.
“Eu não consigo visualizá-lo bem,” eu falo. “Não enquanto estiverem de frente para nós.”
De repente, tenho uma ideia.
“Ben!” eu chamo. “Você precisa fazer com que eles virem. Precisamos ter uma boa visão do tanque de combustível deles!”
Ben não hesita; eu mal termino de falar e ele já está girando o timão com tanta força que eu acabo caindo de lado no barco.
Os comerciantes de escravos viram também, tentando nos seguir. E isso expõe a lateral de seu barco.
Eu me ajoelho, assim como Logan e então disparamos vários tiros.
A princípio, nossas balam erram.
Vamos. Vamos!
Penso em papai. Mantenho meu pulso firme, respiro profundamente e atiro mais uma vez.
Para minha surpresa, faço um disparo certeiro.
O barco dos comerciantes de escravos explode. Meia dúzia de comerciantes de escravos presentes pega fogo e gritam enquanto o barco acelera fora de controle. Segundos depois, ele bate contra a costa.
Outra enorme explosão. O barco deles afunda rapidamente e, se alguém ainda estava vivo, agora deve estar se afogando no Hudson.
Ben nos direciona rio acima, nos mantém em linha reta; lentamente, dou um suspiro. Mal posso acreditar. Nós os matamos.
“Belo tiro,” Logan elogia.
Mas não temos tempo para descansar com a nossa vitória. Ao longe, cada vez mais perto, há outro barco. Duvido que tenham a mesma chance duas vezes.
“Estou sem munição,” eu falo.
“Também estou quase sem,” Logan diz.
“Não conseguiremos confrontar o próximo barco,” eu falo. “E não somos rápidos o suficiente para deixá-los para trás.”
“O que você sugere?” ele pergunta.
“Temos que nos esconder.”
Olho para Ben.
“Encontre um abrigo. Faça isso agora. Temos que esconder este barco. URGENTE!”
Ben acelera e eu vou para a frente do barco, fico ao seu lado, analisando o rio à procura de qualquer esconderijo. Talvez, se tivermos sorte, eles passarão por nós sem nos perceber.
Ou talvez não.
Q U A T R O
Todos nós examinamos o horizonte desesperadamente e, finalmente, à direita, vemos uma pequena abertura. Ela leva a um antigo porto de barcos, todo enferrujado.
“Ali, à direita!” eu falo para Ben.
“E se eles nos virem?” ele pergunta “Não teremos como sair. Estaremos presos. Eles irão nos matar.”
“É um risco que precisamos correr” eu respondo.
Ben pega mais velocidade e faz uma acentuada curva direcionando para a pequena abertura. Nós passamos pelos portões enferrujados, a entrada estreita é a abertura de um armazém. Quando atravessamos o portão, ele desliga o motor e então vira à esquerda, nos escondendo por trás da margem, enquanto balançamos à deriva. Olho para a movimentação que deixamos, sob a luz da lua, e rezo para que ela suavize o bastante para que os comerciantes de escravos não vejam nossos rastros.
Todos nós sentamos ansiosamente em silêncio, balançando na água, observando, esperando. O ronco do motor dos comerciantes de escravos vai ficando mais nítido e então eu seguro minha respiração.
Por favor, meu Deus. Deixe que eles passem por nós.
Os segundos parecem durar horas.
Finalmente, o barco deles desliza diante de nós, não desacelerando nem por um segundo.
Seguro minha respiração por mais dez segundos até o barulho do motor deles ficar débil, rezando que eles não voltem.
E eles não fazem. Funcionou.
*Quase uma hora se passou desde que chegamos aqui, estamos todos amontoados juntos, exaustos, em nosso barco. Não nos movemos com medo de sermos detectados. Mas eu não ouço nenhum barulho desde então e não detectei nenhuma atividade desde que o barco deles passara por nós. Pergunto-me para onde eles foram. Será que ainda estão subindo o Hudson, em direção ao norte, na escuridão, ainda achando que estamos atrás da curva? Ou eles perceberam e estariam voltando, observando as margens dos rios, procurando por nós? Não deixo de pensar que é só uma questão de tempo para que eles voltem por este caminho.
Quando me estico no barco, penso que estamos começando a nos sentir mais relaxados, menos cautelosos. Estamos todos escondidos aqui, dentro desta estrutura enferrujada e, mesmo que eles retornem, não sei como eles poderiam nos encontrariam.
Minhas pernas e pés estão com câimbras de tanto ficar sentada, ficou muito mais frio e estou congelando. Posso ver pelo bater dos dentes de Bree e Rose que elas também estão. Eu gostaria que tivéssemos cobertor ou roupas para dar a elas, ou qualquer coisa que aquecesse. Gostaria que pudéssemos acender uma fogueira – não apenas para nos aquecer, mas também para que pudéssemos nos ver, nos confortar com uns rostos um dos outros. Mas sei que isso está fora de questão. Seria arriscado demais.