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“Toque-me outra vez e eu deceparei suas mãos.” Gareth vociferou.
O jovem recuou com medo e quando ele o fez, outro atendente entrou na sala, acompanhado por um homem mais velho a quem Gareth vagamente reconhecia. Em algum lugar, no recôndito de sua mente, ele o conhecia, mas não podia identificá-lo.
“Majestade.” Ouviu-se a voz velha e rouca. “Nós estivemos esperando-o na sala do conselho durante a metade do dia. Os membros do conselho não podem esperar muito mais. Eles têm notícias urgentes e devem compartilhá-las com Vossa Majestade antes do fim do dia. Vossa Majestade virá?”
Gareth estreitou os olhos para o homem, tentando distingui-lo. Ele se lembrava vagamente de que o homem tinha servido ao seu pai. A Sala do conselho… A sessão… Tudo dava voltas em sua mente como um turbilhão.
“Quem é você?” Perguntou Gareth.
“Majestade, eu sou Aberthol. O conselheiro de confiança de seu pai.” Disse ele, ao aproximar-se. Ele foi lentamente recobrando a memória. Aberthol. O conselho. A sessão. A mente de Gareth dava voltas, sua cabeça o estava matando. Ele só queria que o deixassem em paz.
“Vá embora.” Ele retrucou. “Eu irei.”
Aberthol balançou a cabeça e saiu apressado da sala junto com o atendente, fechando a porta atrás de si.
Gareth se ajoelhou ali e colocou a cabeça entre as mãos, tentando pensar, lembrar. Era demais para ele. Ele começou recordar aos poucos. O escudo estava inativo; o Império estava atacando; metade de sua corte havia desertado; sua irmã os havia levado para longe; para Silésia… Gwendolyn… Era isso. Isso era o que ele estava tentando lembrar.
Gwendolyn. Ele a odiava com uma paixão que não podia descrever. Agora, mais do que nunca, ele queria matá-la. Ele precisava matá-la. Todos os seus problemas nesse mundo, todos eles resultavam dela. Ele iria encontrar uma maneira de ocupar-se dela, mesmo que ele tivesse de morrer tentando. E ele iria matar seus outros irmãos, proximamente.
Gareth se sentiu melhor ao pensar nisso.
Com um esforço supremo, ele lutou para ficar de pé e cambaleou pela sala virando uma mesa de pernas para cima enquanto se retirava. Ao aproximar-se da porta, ele avistou um busto de seu pai esculpido em alabastro, era uma escultura que seu pai havia amado muito, ele estendeu a mão, agarrou o busto pela cabeça e jogou-a contra a parede.
O busto quebrou-se em mil pedaços, pela primeira vez naquele dia, Gareth sorriu. Talvez aquele dia não fosse tão ruim, afinal de contas.
*Gareth desfilou pela sala do conselho ladeado por vários atendentes, abrindo as enormes portas de carvalho com a palma da mão, fazendo com que todos na Sala lotada se sobressaltassem com sua presença. Todos eles rapidamente se levantaram em reverência.
Embora normalmente isso desse Gareth alguma satisfação, naquele dia, isso estava longe de importar-lhe. Ele estava atormentado pelo fantasma de seu pai e mergulhado numa crescente raiva devido à partida de sua irmã. Suas emoções se agitavam dentro dele e ele tinha de desforrar-se com o mundo.
Gareth tropeçava enquanto caminhava pelo centro do corredor em direção ao seu trono. Ele seguia através da vasta câmara sob o entorpecimento produzido pelo ópio. Dezenas de conselheiros permaneciam de pé, de cada lado do corredor, enquanto ele prosseguia. Sua corte tinha crescido e hoje a energia era frenética, já que mais e mais pessoas pareciam ter tomado conhecimento da notícia da partida da metade da Corte do Rei e de que o escudo estava inativo. Era como se qualquer um que tivesse permanecido na corte estivesse ali em busca de respostas.
E Gareth, é claro, não tinha nenhuma.
Gareth subiu pomposamente os degraus da escadaria de marfim que levava ao trono de seu pai. Logo ele viu Lorde Kultin parado pacientemente, de pé atrás do trono. Ele era o líder mercenário de sua força de combate privada, o único homem de confiança que restava na corte. Ao lado dele, havia dezenas de seus combatentes, de pé em silêncio, com as mãos sobre as suas espadas, prontos para lutar por Gareth até a morte. Isso era a única coisa que restava que dava a Gareth algum conforto.
Gareth estava sentado em seu trono e examinava a sala. Havia tantos rostos, alguns que ele conhecia e muitos outros desconhecidos. Ele não confiava em nenhum deles. Todos os dias ele expurgava mais sua corte; ele já havia enviado tantos para as masmorras e muitos mais para o carrasco. Não passava um dia sem que ele mandasse matar pelo menos um punhado de homens. Ele pensava que era uma boa política: ele mantinha seus homens na linha e evitava que um golpe tomasse forma.
A sala ficou em silêncio, todos olhavam para ele assombrados. Todos pareciam ter medo de falar. E era exatamente isso o que ele queria. Nada o emocionava mais que infundir medo em seus súditos.
Finalmente, Aberthol avançou, seu bastão ecoava ao golpear o chão de pedra, ele limpou a garganta.
“Majestade.” Ele começou a falar com sua voz antiga. “Estamos diante de um momento de grande confusão na corte. Eu não sei se as notícias já chegaram até Vossa Majestade: o escudo foi desativado; Gwendolyn deixou a corte e levou consigo Kolk, Brom, Kendrick, Atme, o Exército Prata, a Legião e metade de seu exército, juntamente com metade da Corte do Rei. Os que ficaram aqui recorrem a Vossa Majestade em busca de orientação e desejam saber qual será o próximo passo. As pessoas querem respostas, Majestade.”
“Além disso…” Disse outro membro do conselho, a quem Gareth reconheceu vagamente. “… Se espalhou a notícia de que o Canyon já foi invadido. Há rumores de que Andronicus invadiu o lado McCloud do Anel, com o seu exército de um milhão de homens.”
Um suspiro indignado espalhou-se por toda a sala; dezenas de bravos guerreiros sussurraram uns para os outros, invadidos pelo medo e um estado de pânico se espalhou como o fogo.
“Isso não pode ser verdade!” Exclamou um dos soldados.
“É verdade!” Insistiu o membro do conselho.
“Então toda a esperança está perdida!” Gritou outro soldado. “Se os McClouds foram invadidos, então o Império virá para Corte do Rei logo depois. Não há nenhuma maneira de que nós possamos repelir o seu ataque.”
“Nós devemos discutir os termos de nossa rendição, Majestade.” Aberthol disse para Gareth.
“Rendição?” Gritou outro homem. “Nós nunca nos renderemos!”
“Se nós não nos rendermos.” Gritou outro soldado. “Nós seremos aniquilados. Como poderemos enfrentar um milhão de homens?”
A sala irrompeu em um murmúrio indignado, os soldados e os conselheiros discutiam uns com os outros, todos em completa desordem.
O líder do conselho bateu com seu bastão de ferro no chão de pedra e gritou:
“ORDEM!”
Aos poucos, todos na sala se acalmaram. Todos os homens se viraram e olharam para ele.
“Estas são todas decisões para serem tomadas por um rei, não por nós.” Disse um dos homens do conselho. “Gareth é o rei legítimo e não é de nossa incumbência discutir os termos da rendição, ou até mesmo se nós realmente nos renderemos.”
Todos eles se voltaram para Gareth.
“Majestade.” Aberthol disse demonstrando cansaço em sua voz. “Como propõe que lidemos com o exército do Império?”
A sala caiu em um silêncio mortal.
Gareth permaneceu sentado ali, olhando para os homens, querendo responder. Mas estava ficando cada vez mais difícil para ele pensar com clareza. Ele continuava a ouvir a voz do pai em sua cabeça, gritando com ele, como quando ele era criança. A voz o estava deixando louco, ela simplesmente não ia embora.
Gareth estendeu a mão e arranhou o braço de madeira do trono, uma e outra vez. O som de suas unhas arranhando era o único que se ouvia na sala.
Os membros do conselho trocaram um olhar preocupado.
“Meu soberano.” Outro conselheiro interpelou. “Se Vossa Majestade optar por não se render, então devemos fortalecer a corte imediatamente. Devemos proteger todas as entradas, todos os caminhos, todos os portões. Temos de convocar todos os soldados, preparar as defesas. Devemos nos preparar para um cerco, armazenar comida e ração, proteger os nossos cidadãos. Há muito a ser feito. Por favor, meu senhor. Dê-nos instruções. Diga-nos o que fazer.”
Mais uma vez, a sala ficou em silêncio enquanto todos os olhos permaneceram fixos em Gareth.
Finalmente, Gareth levantou o queixo e olhou para eles.
“Nós não lutaremos contra o Império.” Declarou ele. “Tampouco vamos nos entregar.”
Todos na sala se entreolharam, confusos.
“Então o que devemos fazer, Majestade?” Perguntou Aberthol.
Gareth pigarreou.
“Nós vamos matar Gwendolyn!” Declarou ele. “Isso é tudo o que me importa agora.”
O que seguiu foi um silêncio chocante.
“Gwendolyn?” Um conselheiro exclamou perplexo, enquanto todos na sala irromperam em outro murmúrio de surpresa.
“Nós enviaremos todas as nossas forças atrás dela, para matá-la junto com todos aqueles que a acompanharam, antes que eles cheguem a Silésia.” Gareth anunciou.
“Mas, Majestade, como isso nos ajudaria? “Um conselheiro indagou. “Se nos aventurarmos a sair para atacá-la, estaremos unicamente expondo as nossas forças. Todos os nossos homens seriam cercados e massacrados pelo Império.”
“Isso também deixaria Corte do Rei vulnerável diante de um ataque!” Gritou outro. “Se nós não vamos nos render, devemos fortalecer Corte do Rei imediatamente!”
Um grupo de homens gritou em concordância.
Gareth virou-se e olhou para o conselheiro, seu olhar era frio.
“Nós usaremos todos os homens que tivermos para matar a minha irmã!” Disse ele sombriamente. “Não pouparemos nem sequer um!”
A sala ficou em silêncio. Um conselheiro empurrou sua cadeira para trás, raspando-a contra o chão de pedra e ficou de pé.
“Eu não verei a Corte do Rei arruinada por sua obsessão pessoal. Eu, da minha parte, não estou com Vossa Majestade!”
“Nem eu!” exclamou a metade dos homens ali na sala.
Gareth ficou furioso, sua raiva era crescente, ele estava prestes a levantar-se quando de repente, as portas da sala se abriram e por elas entrou apressadamente o último comandante que restava do seu antigo exército. Todos os olhos pousaram sobre ele. Ele arrastava um homem em seus braços, um rufião barbudo, com cabelos oleosos e desgrenhados, seus pulsos estavam atados. O comandante arrastou o homem por todo o caminho até o centro da sala e parou diante do rei.
“Majestade.” Disse o comandante friamente. “Este homem seria o sétimo, dos seis ladrões executados pelo roubo da Espada do Destino, ele foi o único que escapou. Ele conta a história mais incrível sobre o que aconteceu.
“Fale!” O comandante incitou, sacudindo o rufião.
O bandido olhou nervosamente em todas as direções, ele parecia inseguro, o cabelo sebento grudava em seu rosto. Por fim, ele gritou:
“Recebemos a ordem de roubar a espada!”
Todos na sala irromperam em um murmúrio indignado.
“Nós éramos dezenove!” O rufião continuou. “Uma dúzia de homens deveria levá-la daqui, protegidos pela escuridão, para o outro lado da ponte do Canyon e depois para a floresta. Eles a esconderam em uma carreta e a escoltaram através da ponte, para que os soldados que estavam de guarda não tivessem nenhuma ideia do que estava dentro. Os outros, nós sete, fomos obrigados a ficar para trás após o roubo. Nós fomos informados de que seríamos presos, como uma demonstração de justiça e depois nos deixariam em liberdade. Mas em vez disso, todos meus amigos foram executados. Eu também teria sido, se eu não tivesse escapado.”
A sala foi inundada por um murmúrio longo, agitado.
“E para onde eles estavam levando a espada?” O comandante pressionou.
“Eu não sei. Talvez, para algum lugar bem profundo do Império.”
“E quem ordenou tal coisa?”
“Ele!” O bandido disse de repente, virando-se e apontando um dedo ossudo para Gareth. “O nosso rei! Ele nos ordenou a fazer isso!”
A sala irrompeu em um murmúrio horrorizado, os gritos continuaram elevando-se, até que finalmente, um conselheiro bateu com o bastão de ferro várias vezes e gritou por silêncio.
A sala se acalmou a duras penas.
Gareth, já tremendo de medo e raiva, levantou-se lentamente de seu trono, a sala foi se acalmando enquanto todos os olhos caíam sobre ele.
Gareth desceu os degraus de marfim, um de cada vez, seus passos ecoavam na sala, o silêncio era tão espesso que podia ser cortado com uma faca.
Gareth atravessou a sala, até que finalmente chegou até o rufião. Ele olhou friamente para o bandido desde uma distância de trinta centímetros, o homem se contorcia nos braços do comandante, ele olhava para todos os lados, mas não olhava para Gareth.
“Só existe uma maneira de tratar os ladrões e os mentirosos no meu reino.” Gareth disse baixinho.
Gareth, repentinamente, puxou um punhal da cintura e mergulhou-o no coração do rufião.
O homem gritou de dor, seus olhos se arregalaram e de repente ele caiu no chão, morto.
O comandante olhou para Gareth, franzindo o cenho para ele.
“O senhor acabou de assassinar uma testemunha contrária.” Disse o comandante. “Por acaso não percebe que isso só serviu para insinuar ainda mais a sua culpa?”
“Qual testemunha?” Gareth perguntou com um sorriso irônico. “Homens mortos não falam.”
O comandante ficou vermelho.
“Para que não se esqueça, eu sou o comandante da metade do exército real. Eu não vou ser feito de bobo. Pelas suas ações, eu só posso supor que você é culpado do crime do qual foi acusado. Sendo assim, eu e meu exército já não o serviremos mais. Na verdade, eu vou levá-lo sob custódia, em razão da sua traição ao Anel!”
O comandante acenou para seus homens e como se fossem um só, várias dezenas de soldados sacaram suas espadas e se adiantaram para prender Gareth.
Lorde Kultin avançou com o dobro de seus próprios homens, todos desembainharam suas espadas e colocaram-se atrás de Gareth.
Eles ficaram ali, frente a frente com os soldados do comandante, Gareth estava no meio deles.
Gareth sorriu para o comandante, triunfante. Os homens do comandante estavam superados em número pela força de combate de Gareth e ele sabia disso.
“Eu não vou ficar sob a custódia de ninguém.” Gareth zombou. “E, certamente, não pela sua mão. Tome seus homens e deixe a minha corte, ou você sofrerá as consequências da ira da minha força de combate pessoal.”
Depois de alguns segundos de tensão, o comandante finalmente virou-se e fez um gesto para seus homens; todos eles se retiraram da sala simultaneamente, caminhando para trás com cautela e empunhando suas espadas.
“De hoje em diante…” O comandante explodiu. “… Quero seja do conhecimento de todos, que nós não lhe servimos mais! Você terá de enfrentar o exército do Império por sua conta. Espero que eles o tratem bem. Melhor do que você tratou seu pai!”
Os soldados saíram da sala pisando firme, produzindo um ruído enorme com suas armaduras.
Dezenas de conselheiros, atendentes e nobres que permaneceram na sala ficaram em silêncio, sussurrando.
“Retirem-se!” Gareth gritou. “TODOS VOCÊS!”
Todas as pessoas que ficaram na sala se dispersaram rapidamente, incluindo a própria força de combate restante, de Gareth.
Apenas uma pessoa permaneceu ali, mantendo-se atrás dos outros.
Lorde Kultin.
Ele e Gareth eram os únicos na sala. Ele caminhou até Gareth, parou a poucos metros de distância dele e examinava-o como se estivesse perscrutando-o. Como de costume, o seu rosto era inexpressivo. Era a face de um verdadeiro mercenário.
“Eu não me importo com o que você fez ou por quê.” Ele começou a dizer com sua voz rouca e sinistra. “Eu não me importo com a política. Eu sou um lutador. Eu me preocupo apenas com o dinheiro, com o meu pagamento e o dos meus homens.”
Ele fez uma pausa.
“No entanto, eu gostaria de saber, para satisfazer uma curiosidade pessoal: você realmente ordenou aos homens que levassem a espada para longe?”
Gareth olhou para o homem. Havia algo em seus olhos que ele reconheceu em si mesmo: eles eram frios, sem remorso, oportunistas.
“E daí se eu fiz isso?” Gareth perguntou de volta.
Lord Kultin olhou para ele por um bom tempo.
“Mas, por quê?” Ele perguntou.
Gareth olhou para ele em silêncio.
Os olhos de Kultin se arregalaram ao compreender o motivo.
“Você não pôde erguê-la, de modo que se você não pôde… ninguém mais poderia, não é?” Perguntou Kultin. “É isso?” Ele considerou as implicações. “Mesmo assim…” Kultin acrescentou. “… Você certamente sabia que enviá-la para longe desativaria o escudo, nos deixaria vulneráveis aos ataques.”
Os olhos de Kultin se arregalaram.
“Você desejava que nós fôssemos atacados, não é? Alguma coisa dentro de você deseja ver a corte destruída.” Disse ele, percebendo tudo de repente.
Gareth sorriu.
“Nem todos os lugares…” Disse Gareth devagar. “… Estão destinados a durar para sempre.”
CAPÍTULO CINCO
Gwendolyn marchava com o enorme séquito de soldados, assessores, assistentes, conselheiros, soldados do Exército Prata e da Legião e metade da corte real. Todos se assemelhavam a uma cidade ambulante, eles percorriam o seu caminho, afastando-se cada vez mais da Corte do Rei. Gwen estava dominada pela emoção. Por um lado, ela estava emocionada por finalmente estar livre de seu irmão, Gareth, por estar longe de seu alcance e cercada por guerreiros de confiança que poderiam protegê-la. Ela já não temia a traição ou ser casada contra sua vontade. Finalmente, ela não teria de andar cuidando-se a cada momento, de nenhum dos assassinos de Gareth.
Gwen também se sentia inspirada e lisonjeada por ter sido escolhida para governar e para liderar aquele enorme contingente de pessoas. A enorme comitiva a seguia como se ela fosse uma espécie de profeta, todos iam marchando pela estrada sem fim, com destino a Silésia. Eles a viam como seu governante, ela podia apreciar isso em cada olhar; todos olhavam para ela com muitas expectativas. Ela se sentia culpada, querendo que um de seus irmãos tivesse tal honra, qualquer um, exceto ela. No entanto, ela via quanta esperança o povo tinha ao encontrar nela um líder justo e equitativo e isso a fazia feliz. Se estivesse ao alcance dela cumprir aquele papel para eles, especialmente em tempos de escuridão, com certeza ela faria isso.
Gwen pensou em Thor, em seu triste adeus ali no Canyon e isso partiu seu coração. Ela viu-o desaparecer enquanto ele atravessava a ponte do Canyon, em meio à névoa, em uma viagem que muito provavelmente o conduziria até sua morte. Era uma valente e nobre missão, da qual ela não poderia privá-lo. Ela sabia que era uma missão para a qual ele tinha de partir, pelo bem do Reino, pelo bem do Anel. No entanto, ela também continuava perguntando-se por que tinha de ser justo ele. Ela desejou que pudesse ser qualquer outra pessoa. Agora, mais do que nunca, ela queria que ele estivesse ao seu lado. Naquele momento de turbulência, de grande transição, ela tinha sido deixada sozinha para governar, para levar seu filho, ela o queria ali. Mais do que tudo, ela se preocupava com ele. Ela não podia imaginar a vida sem ele; esse pensamento lhe deu vontade de chorar.
Mas Gwen respirou fundo e juntou forças, sabendo que todos os olhos estavam sobre ela enquanto todos marchavam em uma caravana interminável naquela estrada empoeirada, indo cada vez mais para o Norte, em direção à distante Silésia.
Gwen também estava ainda em estado de choque, dilacerada por causa de sua terra natal. Ela mal podia imaginar que o antigo escudo estava desativado, que o Canyon tinha sido invadido. Os rumores que circulavam, trazidos por espiões distantes, afirmavam que Andronicus já havia desembarcado na costa dos McClouds. Ela não podia ter a certeza sobre em que acreditar. Ela tinha muita dificuldade para entender como tudo tinha acontecido tão rapidamente, afinal, Andronicus ainda teria de enviar toda a sua frota através do oceano. A menos que McCloud, de alguma forma, estivesse por trás do roubo da espada e tivesse orquestrado a queda do escudo. Mas como? Como ele conseguiu roubá-la? Para onde ele a estaria levando?
Gwen podia sentir como todos ao seu redor estavam abatidos e ela não podia culpá-los. Havia um ar de desânimo no meio desta multidão e era por uma boa razão: sem o escudo, todos eles estavam indefesos. Era só uma questão de tempo, se Andronicus não invadisse naquele dia, então ele invadiria no dia seguinte, ou em breve. E quando ele fizesse isso, não haveria nenhuma maneira de que eles pudessem deter seus homens. Logo, aquele lugar e tudo o que ela tinha aprendido a amar e respeitar seriam conquistados e todos os que ela amava seriam mortos.
Todos marchavam, era como se estivessem marchando para a morte. Andronicus não estava ali ainda, mas eles já se sentiam como se tivessem sido capturados. Ela lembrou algo que seu pai tinha lhe dito uma vez: conquiste o coração de um exército e a batalha já está ganha.
Gwen sabia que dependia dela inspirar todos, fazê-los sentirem-se protegidos e ter uma sensação de segurança, ou mesmo, de otimismo. Ela estava determinada a fazê-lo. Ela não podia deixar que seus medos ou que um sentimento de pessimismo a dominassem em um momento como aquele. E ela se recusava a permitir-se mergulhar na autocompaixão. Não se tratava apenas dela. Tratava-se também daquelas pessoas, de suas vidas, de suas famílias. Eles precisavam dela. Todos eles contavam com a ajuda dela.
Gwen pensou em seu pai e perguntou-se o que ele faria. Isso a fez sorrir ao pensar nele. Ele teria exibido uma expressão corajosa, sem importar as circunstâncias. Ele sempre dizia a ela para esconder o medo na arrogância e enquanto ela recordava como havia sido a vida dele, ela percebeu que ele nunca aparentava ter medo. Nem sequer uma vez. Talvez fossem apenas aparências; mas eram boas aparências. Como líder, ele sabia que estava exposto em todos os momentos, sabia que as pessoas precisavam das aparências, talvez até mais do que da liderança. Ele era altruísta demais para deixar-se vencer por seus medos. Ela iria aprender com o seu exemplo. Ela tampouco se deixaria vencer pelo temor.
Gwen olhou em volta e viu Godfrey marchando ao seu lado, ao lado dele ia Illepra, a curandeira; os dois estavam envolvidos em uma conversa. Gwen tinha notado que os dois pareciam ter se apegado bastante um ao outro desde que Illepra tinha salvado a vida de Godfrey. Gwen desejava que seus outros irmãos estivessem ali também. Mas Reece tinha ido embora com Thor; quanto a Gareth, era óbvio que ele tinha desaparecido de sua vida para sempre e Kendrick ainda estava em seu posto, em algum lugar do Leste, ajudando a reconstruir aquela cidade remota. Ela tinha enviado um mensageiro até ele. Essa havia sido a primeira coisa que ela tinha feito. Ela rezou para que o mensageiro o alcançasse a tempo, para trazê-lo para Silésia, dessa forma, ele estaria com ela e ajudaria a defendê-la. Então, pelo menos, dois de seus irmãos: Kendrick e Godfrey poderiam refugiar-se em Silésia com ela; isso abrangia todos eles. Exceto, é claro, sua irmã mais velha, Luanda.
Pela primeira vez em muito tempo, os pensamentos de Gwen se voltaram para Luanda. Ela sempre teve uma rivalidade com sua irmã mais velha. Gwen não tinha tido a mais mínima surpresa quando Luanda aproveitou a primeira chance que teve de ir embora da Corte do Rei e casar-se com aquele McCloud. Luanda sempre foi ambiciosa e sempre quis ser a primeira em tudo. Gwendolyn a amava e a admirava quando ela era mais jovem; mas Luanda, tornou-se cada vez mais competitiva e não havia retribuído o seu amor. Depois de um tempo, Gwen parou de tentar.
No entanto, agora Gwen se sentia mal por Luanda; ela se perguntava o que teria acontecido com sua irmã depois que os McClouds foram invadidos por Andronicus. Será que ela havia sido assassinada? Gwen estremeceu com esse pensamento. Elas eram rivais, mas afinal de contas, elas ainda eram irmãs e ela não queria vê-la morta tão jovem.
Gwen pensou em sua mãe, o outro único membro de sua família deixado para trás, encalhado na Corte do Rei, com Gareth naquele estado. O pensamento lhe provocou um calafrio. Apesar de toda a raiva que ela ainda tinha de sua mãe, Gwen não queria que ela acabasse assim. O que aconteceria se a Corte do Rei fosse invadida? Será que sua mãe seria morta?
Gwen não podia deixar de sentir que sua vida, a qual tinha sido tão cuidadosamente construída, estava desabando ao seu redor. Parecia que tinha sido apenas ontem, em pleno auge do verão, que tinha sucedido o casamento de Luanda, uma festa gloriosa, toda a Corte do Rei transbordava com abundância, ela e sua família, estavam todos juntos, celebrando; o Anel era inexpugnável. Parecia que tudo duraria para sempre.






